sábado, 30 de outubro de 2010

Quando o paciente te diz "não"

Fotografia de Kim Anderson
É muito difícil pra muitos estudante (da área da Saúde) chegar em uma pessoa que está acamada e iniciar uma conversa. Ainda mais quando essa conversa é apenas uma repetição da história contada por ele muitas e muitas vezes. O fato é que as horas passam devagar quando se está em um hospital e ter que ser subserviente sempre que alguém se aproxima não é tão fácil assim. QUEM JÁ LEVOU UM "NÃO" DE UM PACIENTE vê com novos olhos essa aproximação.
Bem, quando percorremos os corredores olhando leito a leito alguém de quem ouvir a história, algo acontece sem que muitas vezes percebamos: aquelas pessoas nos olham, olham aquelas folhas nas mãos e entendem porque estamos tão curiosos olhando para os quartos. São pessoas das mais diversas origens, não falo só de origem social. São vidas diferentes que se abrem para os nossos ouvidos através de palavras ditas (ou vomitadas) e por palavras não-ditas.
Eu, particularmente, não ouvi meu não ainda... mas alguns dos meus amigos já me contaram suas experiências e eu passei por uma muito próxima a isso. Tratava-se de um rapaz, que aparentava uns vinte e poucos anos e estava com uma fáceis de poucos amigo (não tem essa descrição no Porto®, mas era assim que ele estava!).  Quando entrei no quarto e cumprimentei as pessoas, sua mãe já estava rindo (de mim). Com certeza ela - que conhecia mais ele que eu - sabia que ele ia me dizer que "não" estava afim de conversar. Aproximei-me e disse diretamente para ele "bom dia". É, ele nem se deu ao trabalho de responder. Lógico que eu não insisti, afinal eu poderia colher o relato de qualquer paciente, mas GARANTO QUE AQUILO FOI FRUSTRANTE.
Nós temos que entender quando o paciente está ou não disposto a conversar, principalmente porque nós queremos ajudar, e não trazer mais sofrimento. Ele está ali para ser cuidado, e não para ser atazanado. Como foi em uma dessas idas ao hospital "X", em que um(a) Dr(a), discutindo o caso na frente da paciente por "pequenas" três horas, estando a paciente com uma febre a quase quarenta... mas isso é uma outra história!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

No leito ao lado...

Imagem de Arthur Rackham (Pandora Box)
Se fôssemos listar as complicações de dos hospitais públicos, bem... a lista seria enorme. Mas uma questão me chamou atenção em uma visita a um desses hospitais ("X"): COMO OS PACIENTE SE SENTEM EM UM QUARTO COM MUITOS LEITOS? De fato, um quarto com seis leitos fornece ao paciente muito assunto para se comentar. Mas é saudável que eles compartilhem também a agonia de seus companheiros de quarto?
Em visita a um paciente, este mostrou-se nervoso durante toda a entrevista. Inicialmente, é claro, pensei que se tratava de mais uma daquelas pessoas que têm medo até de ver alguém de branco (pânico do jaleco branco), mas não era bem assim. Com um pouco de conversa, sua esposa disse-nos que, em quatro dias que estavam no hospital, ele havia visto seu médico apenas no quarto dia e, além disso, o paciente do leito em frente havia tido uma parada cardíaca à noite.
Bem, sem a palavra do médico para lhe dizer qual a sua doença e vendo alguém ter uma parada cardíaca bem próximo, o paciente estava em pânico. Não tinha coragem de perguntar às enfermeiras e residentes o que ele tinha ou mesmo como era o procedimento que iria fazer. E, ainda que sua esposa lhe dissesse que um ultrassom não é um exame invasivo, ele não queria crer. Não dormira à noite!
Aproximei-me do casal e perguntei a ele como ele havia passado a noite. Ele não estava mais falando nenhuma palavra, pois o paciente à frente estava sofrendo mais uma parada. Nesse caso, devemos nos perguntar porque não houve um acompanhamento psicológico para este paciente. A resposta é imediata: EM UM SISTEMA DE SAÚDE QUE APERTA OS GASTOS POR TODOS OS LADOS E COM PROFISSIONAIS NÃO TÃO ADEPTOS DA HUMANIZAÇÃO DO ATO MÉDICO (APESAR DE INCANSAVELMENTE DISCUTIRMOS ISSO EM SALA), VOCÊ ACREDITA QUE ALGUÉM IA PENSAR EM PSICÓLOGOS PARA ENFERMARIAS? Não sou expert, nem tão pouco tenho propriedade para querer mudar o atendimento do hospital "X", mas estou ciente do isolamento que a doença inevitavelmente causa (Elisabeth Kübler-Ross afirma em "Sobre a morte e o morrer" que o pct por vezes sente-se só em sua dor). Discutir sobre a sua doença com o médico, ou pelo menos este estar presente (quatro dias sem que o médico chegue à beira do leito!), seria um bom ponto por onde começar.
O que acontece na "cama ao lado" pode ser um evento traumatizante para quem não possui uma instrução correta do que está acontecendo consigo. Tomando as palavras da esposa como exemplo: "ele tem medo que aconteça isso com ele" (em referência à parada do paciente do leito à frente. Não é preciso tanto esforço para se perceber que, mesmo que não se possa separar os leitos (um por quarto), é sempre possível paliar: médicos que escutam (e falam francamente aos pacientes), psicólogos disponíveis e até um acompanhamento religioso presente no hospital.
"Nossas doenças não são apenas o nosso corpo reclamando, mas a nossa mente também"