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Era dia de visita domiciliar, então havíamos saído bem cedo para ver os pacientes. Geralmente os pacientes do programa de visita são os mais complicados, alguns incapacitados de ir ao posto por diversas questões de saúde. Naquele dia, eu já estava sobrecarregada da visita anterior em que uma paciente com problemas mentais encontrava-se em uma situação precária. O sol e o calor nos castigava enquanto esperávamos que viessem abrir a porta. UM HOMEM ABRIU-A E NOS OLHOU A TODOS COM UM OLHAR IMPACIENTE, QUANDO A MÉDICA ANUNCIOU A QUE VIEMOS.
- Viemos conversar com o senhor, Seu Fulano, podemos entrar?
Ele esperou ainda alguns segundo, que me pareceram uma eternidade naquele sol fustigante. Afastou-se e permitiu que entrássemos. Perguntamos da sua saúde e as respostas vinham lentas, como se o tempo se houvesse dilatado e tudo passasse devagar. Não havia cadeira para todos e, a sala pequena, era preenchida na metade pela viva luz do sol que destoava da tristeza que o semblante do homem carregava. Ele nos disse, por fim, que nada estava bem. Havia perdido seu filho a poucos dias (três? cinco?) e nos mostrou a homenagem registrada em seu corpo que fizera para ele - apontando para o rosto bonito tatuado em seu corpo, dizia que ele não era ladrão, que era "moço bom", trabalhador. DISSE QUE ESTAVA MEDICADO PORQUE NÃO ESTAVA SUPORTANDO A DOR DE TÊ-LO PERDIDO E DISSE QUE A SAUDADE ERA GRANDE. De repente, como se lhe houvesse soprado no ouvido, levantou rapidamente e perguntou-nos se queríamos saber como ele passava aquelas horas em que ficava sozinho, relembrando o filho. Então colocou um vídeo para assistirmos. Desde o início, eu sentira que aquele vídeo não podia fazer-lhe bem, mas quando o violino harmonioso introduziu a música como que uma fina lança me percorreu a espinha. "Como é grande o meu amor por você" dizia o verso que fora repetido mais que vinte vezes, uma música que começava e terminava, começava e terminava, e as fotos que traziam sorrisos e momentos que não voltariam. Pus-me entre a porta e o televisor para não ver as imagens, mas a música ainda vibrava e vibrava dentro de mim, reavivando a dor de um pai que perdeu seu filho no auge da vida. E OS MINUTOS INFINDOS DE SOL NAS COSTAS, PERNAS DOENDO, SEDE, CALOR SOB O JALECO SE SOMAVAM AOS ROMPANTES DO CHORO CONVULSIVO DAQUELE PAI. Lágrimas estavam correndo tímidas pelos olhos dos muitos expectadores, enxugando-as rapidamente, secando-as na calça discretamente. E o pai que soluçava, soluçava como se ritmasse "Como é grande o meu amor por você"...