domingo, 21 de julho de 2013

O medo do "não me importar"

Imagem retirada de asasdamemoria.blogspot.com
Era uma tarde qualquer da semana, em um ambulatório qualquer da emergência, em uma hora qualquer do dia. Havíamos atendido poucas pessoas, parecia que ninguém estava tão necessitado de atenção naquele dia. Atenção. As médicas conversavam amenidades, eu lia um romance e minha colega estudava. Entrou a ajudante para dizer que entraria a próxima paciente, seu raio-X mostrava uma "caverna" tão grande que seria muito improvável não ser tuberculose. Colocamos as máscaras e iniciamos o atendimento.
E a cada palavra a paciente dizia, nos jogava na cara sua dura realidade de más-condições de saúde, de drogas, de fome. E em mim surgiu um medo que me engolia com aquelas palavras: o medo de me tornar indiferente. Medo de ver tantas misérias e não "vê-las". Lembrei então de tantas outras atrocidades que vi ao longo desses quinze dias em um novo serviço, da população necessitada, das mãos emagrecidas segurando o copinho com sopa servido no hospital durante o atendimento, da minha preocupação pelo paciente que precisava de uma medicação que o Estado não fornecia (como ele faria?) - e eu vi o que temia.: AS VÁRIAS HISTÓRIAS QUE AINDA ESTAVAM NA MINHA CABEÇA AOS POUCOS SE IAM APAGANDO, SE ESVAINDO EM MEIO A TANTAS DOSES DE REMÉDIOS PARA DECORAR, DAS SOROLOGIAS DE HEPATITE B PARA APRENDER, DOS PROTOCOLOS QUE DEVERIAM ESTAR NA PONTA DA LÍNGUA. E ser médico não nos permite sentir?
Vieram em minha mente as dezenas de exemplos de bons profissionais, daqueles que têm décadas de experiência em atendimento e ainda se doem com o sofrimento dos seus pacientes. Então eu percebi que ser "médico" (no sentido mais profundo da palavra) me deixaria saber e sentir ainda. Saber protocolos, medicações e diagnósticos. Sentir tristeza, amor e dor. Ser "médico" me permitiria ser humana, e não um ser inatingível. E tudo dependeria de mim, daquele caminho que eu escolhesse. Assim é com todos, todas as profissões, todas as pessoas - o medo do "não me importar" poderia me manter sempre me importando. E essa é ainda a minha escolha: sentir!