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domingo, 20 de janeiro de 2013

Traçando o caminho

Imagem retirada de ecofuturo.org.br
Havia chegado o dia de conversar com a família sobre a situação em questão: a matriarca da família encontrava-se prostrada no leito e com o recente diagnóstico (desconhecido por ela) de um câncer metastático. Todos nos dirigimos a um ambiente a parte, em que pudéssemos conversar sem que a paciente ouvisse. Seria uma decisão difícil para a família, e era a primeira vez que eu lidava com uma situação daquelas.
O preceptor começou explicando o caso. Disse que se tratava de um provável diagnóstico de câncer e partilhava daquilo com os familiares para que decisões fossem tomadas: investiriam em diagnóstico que poderiam ser fisicamente dolorosos para a paciente? submeteríamos a paciente a tratamentos que poderiam ser eficazes ou não? Essas e outras perguntas permearam a longa conversa que tivemos. Nós, alunos, olhávamos aqueles rostos como se quiséssemos decifrar os sentimentos ali escondidos. Um filho chorava, uma filha cruzava os braços, um marido olhava em algum ponto perdido ali no chão. O que pensavam?
O MAIS COMPLEXO EM SE CONVERSAR COM OS FAMILIARES E EXPOR AS DECISÕES QUE GERALMENTE SÃO TOMADAS PELOS MÉDICOS É SABER QUANDO ESTAMOS NOS FAZENDO COMPREENDER. Ou ainda: qual será o pensamento deles quando o que temos a ofertar são apenas cuidados paliativos?
Em outro momento, conversando apenas com os internos, o médico disse que infelizmente nem sempre ganhávamos a luta travada. Porém, ele completou, no momento em que entendêssemos que nem sempre seria possível ganhar, ai sim, seríamos verdadeiramente médicos.
Não, não é fácil admitir assim que "perdemos". Mas a cada dia podemos continuar lutando para fazer o melhor pelos pacientes, tendo ou não previsão de cura.
A filha, por fim, disse que tinha uma dúvida:
- Olha, tô sendo sincera, meu medo é que não sejam tomadas as mesmas medidas com a minha mãe que seriam tomadas para uma paciente que tenha chances de cura.
Fiquei surpreendida pois, no dia anterior, o médico tinha comentado justamente isso conosco, que provavelmente esse seria o maior receio da filha que acompanhou a mãe em toda essa Via Crucis. E sua resposta foi seguramente a mesma nos dada no dia anterior:
- Não se preocupe. Em casos como esses, costumamos cuidar ainda "melhor" da paciente. Como não lhe podemos oferecer a cura, faremos o máximo para que sua estadia aqui seja a melhor possível, para que ela se encontre confortável e sem dor.
Ao final da conversa, braços descruzados, a filha agradecia pela atenção. Agora eram eles que iriam conversar entre si e definir os próximos passos da equipe.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Humanos como Desumanos

Imagem retirada de: voceemminhanovavida.blogspot.com
Nós nunca temos ideia do que a vida nos reserva. Assim era aquela senhora, debilitada, na maca do hospital. Já fora mãe, é verdade, mas perder um filho sempre mexe com a mulher. Nós, alunos, estávamos todos muito interessados em ouvir o que lhe acontecera, que procedimentos seriam feitos com ela e como aquilo tudo iria terminar. Ela contava cada detalhe, falava da sua primeira gravidez e como descobrira esta. Contou das dores e náuseas que sentira e do medo que tinha do seu diagnóstico. Abortamento espontâneo, o que deve passar na cabeça de uma mulher?
Ao manusear a sua pilha de exames, o médico nos contava o que havia nos exames da paciente. Ultrassom, exame de sangue, de hormônios... uma pequena lista que contava parte da história pela qual ela passou, mas nada dizia dos seus sentimentos.
Lá pelas tantas, o médico apontou-nos um laudo e disse "feto morto". Apontou-nos uma imagem do ultrassom e disse "feto morto". Apontou a história anotada por outro médico e disse "feto morto"... e nessa sucessão de palavras, olhei para a paciente e vi aquela mulher segura de sua situação chorar. Eram lágrimas abafadas, talvez pela vergonha de se despir os sentimentos ante quase uma dezena de alunos, mas eram lágrimas fortes o suficiente para lacerar meu coração. Como lidar com situações tão íntimas sem sequer se interessar pelo que se passa com o outro? E a imagem de um feto morto veio à minha mente e NÃO PUDE DEIXAR DE PERCEBER O QUANTO TEMOS LIDADO COM HUMANOS DE FORMA TÃO DESUMANA!

sábado, 14 de maio de 2011

Benefício para o outro...

Imagem de noticias.r7.com
Bem, essa semana eu tive uma grande lição que preciso compartilhar com vocês. Às vezes eu fico falando das agruras que presencio nos corredores e enfermarias de hospitais pela cidade e, quando tenho algo bom para contar, corro para falar aqui...
Sabe aqueles médicos que todos admiram pelo domínio que tem em determinada área... Eu acompanhava a aula de um desses mestres; estávamos em uma enfermaria e começávamos a conversar com uma paciente que ele havia operado a algum tempo. Ela ainda estava com sonda nasoenteral (dispositivo que permite que o alimento entre no intestino sem passar pelo caminho boca-esôfago-estômago, caindo direto no intestino), que é algo incômodo, mas essencial em seu pós-operatório. A paciente estava a dias sem beber ou mastigar algo, sendo suprida apenas por aquilo que passava pela sonda. VOCÊ JÁ IMAGINOU FICAR PELO MENOS UMA SEMANA SEM SENTIR A ÁGUA DESCENDO "GOELA A BAIXO" OU SEM TER A PERCEPÇÃO DOS SABORES DAQUILO QUE LHE ESTÁ ALIMENTANDO?!
O doutor virou-se para a paciente e perguntou o que ela mais queria nesse momento. Após algumas respostas, ela disse que era beber um copo d'água bem gelada. Foi então que aprendi mais uma lição que pretendo carregar para a vida: um homem formado em vida e na profissão falou a seus alunos que uma das coisas que mais lhe dava prazer na profissão era o momento de retirar a sonda do paciente e lhe oferecer o primeiro copo d'água... São esses pequenos gestos que tornam mais apaixonante as profissões que lidam com pessoas, pessoas que sentem e vivem singularmente...

sábado, 16 de abril de 2011

"Eu e minha boca!!!"

Foto retirada de lady-bird---uma-joaninha-maluka.blogspot.com
É importante que tenhamos sempre cuidado com o que dizemos às pessoas, e isso se faz bastante presente nas profissões da área da saúde. Assim, o caso de hoje vem ilustrar essa verdade.
Em uma atividade desenvolvida na faculdade de Medicina, estava conversando com uma senhora sobre a prevenção de doenças e a importância de procurar um profissional competente para detectar as doenças. Ela me narrou então sua história: há algum tempo (quase vinte anos atrás) ela procurou um médico com queixas respiratórias. Feitos alguns exames, ela foi diagnosticada com câncer. ELA DISSE QUE FOI UMA FASE MUITO DIFÍCIL E QUE ELA CHORAVA INCONTROLAVELMENTE. Após mais alguns exames, o médico disse-lhe que, na verdade, não se tratava de câncer, mas de uma "inflamação" nos pulmões por conta do cigarro.
O fato é que, depois de todo esse sofrimento e apreensão, a paciente desenvolveu uma síndrome psiquiátrica grave, a síndrome do pânico, e, POR CONTA DISSO, FAZ TRATAMENTO MEDICAMENTOSO ATÉ HOJE, VINTE ANOS DEPOIS.
Isso é uma dica para que não esqueçamos a importância do que a gente fala. Outra curta história que ilustra isso ocorreu em uma aula em que o paciente veio procurar o doutor para perguntar como ele ficaria, e o doutor disse-lhe "É... SUA DOENÇA NÃO TEM CURA MAIS NÃO"... Cuidado com o que falamos e, principalmente, como falamos...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Portar-se e Importar-se

Imagem retirada de http://www.mocadosonho.com
Obviamente médico também é humano. E como humano, está suscetível a comportamentos e erros como qualquer pessoa. Porém, cabe ao profissional saber até que ponto ele tem o direito de cometer esse erro, sem agredir o paciente.
A história que vou contar hoje é mais um desabafo. Estávamos em uma aula em um ambulatório de um grande - e importante - hospital. Muito educadamente, o profissional médico explicava alguns assuntos da sua prática ambulatorial a medida que atendia os paciente. Primeiramente, devo ressaltar que algo na postura dele me chamou atenção de cara: ENQUANTO ELE ATENDIA O PACIENTE E NOS EXPLICAVA O CONTEÚDO, ELE ATENDIA O CELULAR QUE NÃO FOI COLOCADO NEM NO SILENCIOSO E QUE NÃO PARAVA DE TOCAR. Era um festival de "diga tia, não tô em casa, não" que não escapou aos olhos e ouvidos de quem estava presente. Via inclusive pacientes incomodados e na dúvida se o médico estava conversando com eles ou com alguém do outro lado da linha. Houve até quem fosse recebido com um caloroso "Tudo bom, bichão?!", foi quando eu tive a dúvida se eu estava no consultório ou assistindo a uma partida de futebol com os amigos.
O fato é que, lá estava ele em um serviço público - com seu jaleco que estampava um famoso convênio da cidade - atendendo os paciente. Então aconteceu o que lhes venho contar: alguns punhados de palavrões foram mencionados sem o menor critério, incorporados a linguagens como "tomografia computadorizada" e "adenocarcinoma". Como eu disse, somos todos suscetíveis acometer erros, porém eu não consegui parar de lembrar daquele velho livro de Alfred Benjamin, "A Entrevista de Ajuda", que fala como o médico deve se portar ante um paciente. PASSEI A ANOTAR O QUE EU ESTAVA OUVINDO  E, AO FIM, PODERIA TER FEITO UMA COMPILAÇÃO DE EXPRESSÕES POPULARES ESDRÚXULAS: p*rra, p*ta m*rda, p*ta que pariu, escr*to, é f*oda, vá se f*rrar, o buraco é mais embaixo (¬¬)...
Pois é, não quero com essas palavras parecer puritana, pois conheço todo esse palavriado, mas ainda acredito que deva existir uma postura ética que nos limita o uso delas com os pacientes.
"Suas palavras não me ferem, apenas me mostram seu retrato em uma moldura" Audinne Ferreira

domingo, 5 de dezembro de 2010

Medo do que vai acontecer

Ciência e Caridade (1897) - de Pablo Picasso
É inevitável que, diante de uma doença, tenhamos medo do que possa acontecer conosco e aos nossos familiares/amigos. Imagine então como se sente alguém que recebe o diagnóstico de uma doença que há muito é estigmatizada, tanto pelos profissionais quanto pela população em geral: o câncer. Não que não tenham motivos para estigmatizar a doença! A estimativa do INCA para 2010 foi de quase 50 mil novos casos de câncer de mama e mais de 26 mil de câncer de pulmão, por exemplo. Além disso, para cada caso há um tratamento, o que faz dele um diagnóstico temido pelos pacientes.
Sendo assim, trato nesse texto dos possíveis erros cometidos pelos profissionais que lidam com esses pacientes. Manter a calma do paciente é essencial para um bom relacionamento com ele, além de ajudar no tratamento. Foi-me relatado que uma paciente contava ao médico A (que iria estipular-lhe o tratamento) sobre a consulta do médico B (que deu o diagnóstico) e o que este havia lhe dito. Ela falou que o médico B disse que, baseando-se nos exames, a possibilidade de cura do câncer era 100% se ela seguisse corretamente o tratamento e as recomendações médicas. O médico A imediatamente lhe disse: "NÃO EXISTE ESSE NEGÓCIO DE 100% DE CURA NÃO, QUEM FOI QUE LHE DISSE ISSO? QUEM FOI?!" Ainda que essa informação não fosse correta (o que eu não tenho embasamento científico para argumentar), é papel do médico "não destruir as esperanças" de um paciente. No livro "Sobre a Morte e o Morrer", de E. Kübler-Ross, é dito que a esperança é parte importante não só para o "comportamento" do paciente, mas para o seu tratamento. Ressalto, então, que haveria outras formas de lhe comunicar a verdadeira situação (em não sendo verdade).
Outro fato que lhes conto desse médico A é que, com uma outra paciente, agiu também de forma grosseira. Quando ela chegou a seu consultório para receber o tratamento, ele leu os exames e disse-lhe: "É, SEU REMÉDIO É ESSE AQUI, MAS TRATE DE CORTAR LOGO ESSE CABELO PORQUE VAI CAIR TUDO". Não digo que o médico tem que abraçar e colocar o paciente no colo, mas pelo menos deve por em prática o que nos ensinam (em algumas disciplinas): a empatia (leitura sugerida: "Você é meu") , pôr-se no lugar do paciente.
De fato, isso ocorre em vários consultórios, o tempo todo. É triste saber que alguns profissionais que estudam para "promover a saúde" ajam de formas tão esdrúxulas, sendo por vezes desumanos.
"A todos os que sofrem e estão sós, dai sempre um sorriso de alegria. Não lhes proporciones apenas os vossos cuidados, mas também o vosso coração" Madre Teresa de Calcutá

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"Dr., o que o senhor está sentindo?"

Autorretrato de goya com o Dr.Arrieta 
Uma situação de grande aprendizado, e que ocorre com uma certa frequência, é ter um médico na situação de paciente e isso nem sempre transcorre de maneira tranquila e "aceitável" como ocorre com pacientes não-médicos. Por seu conhecimento do que a doença pode lhe causar (dentre outros fatores), o médico vê-se como "aquele capaz de identificar sua doença" e, em geral, recusa ajuda de outro profissional. Certa vez, ouvi o relato de um(a) médico(a) que apenas reiterou essa afirmativa. Ele(a) disse que, por já ter passado por um enfarte, estava de "sobreaviso" e, qualquer dor que sentia, acreditava tratar-se de um novo "ataque". Então, em um certo dia, sentiu uma dor muito forte, chegando a urrar de sofrimento. O caminho todo para o hospital foi um sofrimento, e ele(a) automedicou-se, tomando AS no caminho do atendimento.
Ao chegar lá, em sendo recebido(a) por um residente, disse que NÃO PRECISAVA FAZER AQUELA SÉRIE DE PERGUNTAS, PORQUE ELE TINHA CERTEZA DE ESTAR ENFARTANDO. O residente não continuou a rotina de perguntas e deu seguimento à solicitação de exames, que foram negativos para enfarte. Depois de algum tempo de investigação e através de um palpite aparentemente simples de um residente, o exame correto foi feito e tratava-se de outra doença.
O fato é que o profissional formado em Medicina tem uma grande dificuldade em aceitar a ajuda de um colega e, além disso, aceita a máxima popular de que MÉDICO NÃO ADOECE. É muito difícil para alguém que é treinado para curar encontrar-se em uma situação de fragilidade, como é a doença. Falta no currículo médico o ensino de que somos passíveis da doença e da morte... CONHECEMOS O CORPO, MAS NÃO SABEMOS COMO SER INATINGÍVEIS.
"O profissional da saúde está preparado para a cura, mas é frequentemente angustiado pela morte." Alexandrina Maria da Silva Meleiro em PSICOLOGIA MÉDICA (M. Caixeita, 2005, Ed. Guanabar Koogan)

domingo, 21 de novembro de 2010

E quem é normal?

Pintura de Mahmoud Farshchian
Esses dias tive contato pela primeira vez com um paciente "psiquiátrico". Bem, pessoas que têm transtornos mentais, dos mais variados graus e modos, são geralmente alvo de preconceito nas ruas, nas famílias, ... , em hospitais! Nossa "missão" era fazer um acesso venoso em algum paciente que estivesse precisando renová-lo. Enquanto preparávamos o material, todos nos diziam que era arriscado, que esse paciente já tinha quase furado uma enfermeira, que ele chutava, "cuidado com isso", "cuidado com aquilo"... Nos encaminhamos para a beira do leito e lá estava aquele senhor, todo enrolado em um lençol, com o mesmo aspecto indefeso que ficamos quando estamos doentes. O(A) professor(a) se apresentou e a primeira lição foi aprendida: DESARME-SE PARA FALAR COM OS PACIENTES... Nós saímos do conforto dos nossos lares e estamos em plena saúde, podemos agir como bem entendermos. Mas a pessoa doente está, em geral, mais fragilizada e disso não podemos esquecer. O(A) professor(a) aproximou-se do paciente, encurvou-se pra ficar ao nível dos seus olhos e informou o que iria fazer e - principalmente - porque iria fazer. Lógico que não é nada fácil explicar a uma pessoa (mesmo sem transtornos psiquiátricos) que ela vai sentir dor, mas foi-lhe explicado que seria feito o possível para que a dor fosse mínima, que era como tirar sangue!
Foi escolhido o abocath menor, para causar o mínimo de dor e facilitar o trato com o paciente. Ele, de tão nervoso, fez menção de sentir dor ainda quando estávamos passando algodão com álcool. Passou a maior parte do tempo com o braço dobrado, impossibilitando a visualização de suas veias e ainda nos disse para não segurar seus pés. Algum tempo foi gasto com aquela tentativa e com as suas sucessivas permissões e imediatas negações. Porém, muito foi apreendido naquele quadro: ao paciente dito "psiquiátrico" deve ser dispendida especial atenção e paciência e o profissional deve estar ciente dos seus limites. Após algumas tentativas, o(a) professor(a) perguntou ao paciente se este queria que nos retirássemos (o(a) professor(a) e os alunos). Ele disse "sim" e, sem irritação, saímos.
É importante que estejamos conscientes de que nem sempre é possível realizar determinados procedimentos e que isso será uma constante na prática médica. Assim, TEMOS QUE ESTAR PREPARADOS PARA RECEBER "NÃOS" (sugestão de leitura: "Quando o paciente te diz não") E PARA NÃO DESISTIR DO PACIENTE. Como eu disse, antes de irmos ao leito, fomos completamente desestimulados a prosseguir; se tivéssemos desistido, não teríamos mais essa valiosa lição!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"Você só teve uma parceira? E parceiros?"

Foto retirada de http://medicineisart.blogspot.com
Toda pessoa, antes de ser paciente, possui uma vida, seus desejos e seus pudores... O interessante é que, nessa correria de ¹pegar informações, ²dar o diagnóstico e ³medicar, nós podemos esquecer que aquela pessoa tem outros pensamentos que não a sua doença. Por isso, devemos entender que PODE SER DIFÍCIL PARA O PACIENTE FALAR SUAS INTIMIDADES A UM DESCONHECIDO, ainda que seja para auxiliar no diagnóstico da sua enfermidade!
Passei por algumas situações e ouvi outras que merecem ser repassadas. Certa feita, enquanto colhíamos a história de um paciente (♂), chegamos na parte de perguntar sobre seu comportamento sexual e outros dados relacionados. Antes disso, o paciente falou sobre tudo, sem hesitações. Como era um das nossas primeiras entrevistas o(a) professor(a) passou a fazer as perguntas pela turma: "possui vida sexual ativa?", "possui parceiro(a) fixo?", "possui relacionamento extra-conjugal?", "já teve alguma relação do tipo homossexual?"... E o paciente foi gradualmente baixando a voz e ficando tímido para responder... Reconheço a necessidade de se conhecer esses dados, mas nem todo caso isso possui tal relevância a ponto de ser esmiuçado como estava sendo feito. O fato é que, mesmo voltando ao normal após essas bateria de perguntas, havia ficado uma sensação "chata", e apesar de saber que SEGREDOS SÃO GUARDADOS CONOSCO DIARIAMENTE, aquele homem (com toda sua vida, suas histórias e sua individualidade) tinha contado coisas bastante pessoais. Após o primeiro contato com esse tipo de abordagem, fui colher a história de uma paciente (♀), adolescente e muito apegada à mãe (que estava presente). Aproveitando um instante oportuno para fazer-lhe "essas perguntas", notei duas coisas importantes: ¹ é difícil encontrar um paciente que não se assuste/constranja com essa abordagem e ² QUALQUER PERGUNTA ÍNTIMA QUE SE VAI FAZER DEVE SER FEITA DA MANEIRA MAIS NATURAL E MAIS INDIVIDUALMENTE POSSÍVEL. A maioria dos nossos hospitais públicos não possui salas isoladas (algum possui?), então deve-se esperar que o paciente esteja só e fazer a pergunta com um tom de voz baixo.
Certa vez me relataram um caso que nos mostra a complexidade e variação de reações quanto ao tema "relações sexuais" na conversa com o paciente. Esse(a) meu(minha) colega foi conversar com uma senhorinha e estava apreensivo(a) sobre como abordar esse tema e como seria a reação da paciente. Quando foram iniciadas as perguntas, a senhorinha simplesmente respondeu-as e começou a falar da saudade que tinha do marido, do seu lar e de como ele ligava para ela muitas vezes. Falou de suas lembranças e saudades e, ao fim da entrevista, agradeceu e pediu que ele(a) lhe desse um abraço (fez questão de levantar-se para cumprimentá-lo(a) ). Outro caso foi o oposto... no meio da conversa sobre a doença, o(a) paciente entrou no assunto sexualidade e falou sobre suas preferências sexuais. O(A) acompanhante olhou-o(a) e se retirou, visivelmente incomodado com aquele assunto.

Ressalto aqui a importância de preservar o segredo médico (e o segredo de enfermeiros, de auxiliares de enfermagem, de farmacêuticos, de odontólogos, de fisioterapêutas, etc, etc...) e de respeitar o paciente quanto a isso. Por fim, é necessário cuidado e atenção no nosso diálogo com o paciente sobre quaisquer assuntos, mas é de extrema importância que a sexualidade seja abordada de forma natural, índividual e que se mantenha sigilo sobre o que nos é dito. Como eu havia falado, OS PACIENTES TÊM VIDA FORA DA SUA DOENÇA!

sábado, 6 de novembro de 2010

O seu procedimento tem riscos, sim!

Imagem de Arthur Rackham (Scrooge) - Você quer conhecer a verdade?
Atualmente discute-se muito a necessidade de compartilhar com o paciente o passo-a-passo dos procedimentos a que será submetido e a sua doença. É interessante como muitos de nós tende a pensar que não adianta discutir essas coisas com o paciente, já que este não teria - teoricamente - como entender muitas das coisas que nós diríamos. Mas é fato que há diversas formas de expor esses fatos aos pacientes, e que eles têm total direito de saber e discutir sobre esses procedimentos.
Dia desses eu tive uma das mais ricas experiências no que diz respeito a pôr em prática o que se fala em sala. Em uma aula, abordamos uma paciente para fazer uns exames já que esta seria submetida a uma cirurgia. Até ai, eu não sabia como seria isso, se seriam feitas perguntas e o encaminhamento , ou se nós apenas auscultaríamos coração/pulmão, olharíamos as mucosas e leríamos exames laboratoriais. Pois bem, começada a aula, o(a) doutor(a) começou a fazer uma série de perguntas, sempre explicando o porque de cada uma delas - para nós e para a paciente. Ao fim disso, virou-se para ela (e exclusivamente para ela) explicando os riscos da cirurgia e principalmente os procedimentos. Falou do tubo que percorreria a sua garganta, da forma que seria sedada, de como acordaria e o que ocorreria caso houvesse complicações na cirurgia. falou do suporte técnico do Hospital "X" e de como, pela sua experiência, ele via os riscos dessa cirurgia. TUDO ISSO DE MANEIRA CLARA, OBJETIVA E DOCE - A PACIENTE SOUBE EXATAMENTE O QUE LHE OCORRERIA E PÔDE TIRAR SUAS DÚVIDAS.
Por muito tempo duvidei de que fosse possível abordar o paciente, explicando-lhe sua doença e como a equipe hospitalar agiria. Naquele dia pude ver que, mais do que pacientes, são pessoas que - como eu já havia mencionado antes (texto "Mas não foi isso que você me perguntou") - têm autonomia. Outro dia tive a oportunidade de ver um procedimento ser feito sem ao menos falar com a paciente: vi-a deitada na maca, umas sete pessoas da equipe para cima e para baixo, atarefados demais para avisar a hora que iriam injetar o anestésico na veia. Ao penetrar nos vasos sanguíneos, o ardor "não avisado" pôde ser sentido até por mim, que assistia a expressão facial da paciente modificar-se, contorcer-se a olhos vivos, sem que a equipe percebesse. E não foi somente eu quem percebeu... Enfim, compartilhar com o paciente os fatos da sua doença pode parecer boabagem, mas é um direito que ele tem. Porém, têm-se formas e mais formas de se fazer isso, mas esse é assunto para uma outra hora...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

"Mas não foi isso que você me perguntou"

"Mas não foi isso que você me perguntou"... foi o que eu ouvi uma paciente dizer a(o) doutor(a). O engraçado é que nós, em geral, não costumamos ver pacientes que impõem sua vontade - ou não queremos notá-los. Essa foi mais uma das lições ensinadas a mim pelos pacientes: ELES TÊM AUTONOMIA, VONTADES E VOZ!
Estava em uma aula comum, quando vi aquela senhorinha indefesa no leito. Ora, avistando-a houve que pensasse (eu me incluo) na descrição clássica para escrever no exame físico: estado geral regular, fácies cansada... Quando começamos as perguntar, as resposta vieram meio em tom de deboche:

"o que trouxe a senhora aqui?"
"eu tava com dor na barriga e o médico disse que era rim" (modificado)
"mas o que a senhora sentiu pra ter ido no médico"
"pois eu tava com essa dor, fiz uns exames e o médico disse que era rim"
"não, mas a  minha pergunta 'foi o que a senhora sentiu pra ter ido ao médico' "
"mas não foi isso que você me perguntou"


Mais tarde, apesar de o esforço para negar a relação dor na barriga e rim, a paciente se mantinha firme: tem relação com o rim sim! O interessante é que cada paciente tem a sua própria forma de ser autônomo ou de se entregar aos cuidados do profissional. Alguns só informam o que estão sentido e, quando perguntamos se têm dúvidas, apenas negativam com a cabeça. Outros se mostram mais entregues, como foi em uma entrevista, quando perguntamos se a paciente tinha alguma pergunta, ela falou "eu só quero saber se eu tenho câncer, doutor(a)". Mas há aqueles que se fazem ouvir...
Aliás, autonomia não é qualidade só do paciente que nós iremos lidar... Certa vez, a acompanhante de um paciente (este bastante debilitado) me chamou bastante a atenção e merece ser citada como exemplo de autonomia, ou melhor, posse de sua realidade. Apesar de ter sua vida girando em torno da doença do marido (a doença adoece também o lar), a acompanhante se mostrou ativa e conhecedora da realidade que cercava seu marido. Logicamente, não conhecia muitas das coisas que são invariavelmente omitidas pelos profissionais, mas ela deu mostrou-se conhecedora de todos os procedimentos, exames, hipóteses, etc, etc, nesses quase dez anos de doença do marido.
Ou seja, a gente não pode esquecer que o paciente (e sua família) tem vontades... DEIXE ELE FALAR, PERGUNTAR, SE EXPRESSAR... DOIS MINUTINHOS CEDIDOS ÀS VONTADES DELES NÃO VÃO MUDAR A NOSSA VIDA, mas pode melhorar consideravelmente a auto-estima deles e a vontade de encarar a sua doença.