terça-feira, 31 de maio de 2011

Por um instante

Imagem retirada de leitora-dovale.blogspot.com
Bem, dizem que uma imagem diz tudo, então o relato de hoje é sobre aquilo que vi, nada mais...

Do que você tem mais medo?! De ficar sozinho? De morrer? De padecer de uma doença por muito tempo? ... Há pessoas que temem tudo isso, provavelmente a grande maioria das pessoas. O fato é que, estava eu em um desses plantões da vida, quando chegou uma paciente. Era uma senhora doente que vinha acompanhada de sua filha e já havia aguardado muito tempo (a transferência para a capital e o atendimento médico em si). Estava em uma daquelas macas que, particularmente, acho que representa (simbolicamente) o quanto o doente se encontra em situação vulnerável: era uma daquelas macas baixas, com um colchão fino e coberto com uns panos.
Foi feito o atendimento inicial, colhendo os dados da paciente, e foi decidido pelo seu internamento naquela unidade. Primeiro, foi perguntado onde ela ficaria, no que a resposta foi - obviamente, diante das atuais condições de superlotação - nos corredores. Depois fomos todos providenciar as papeladas: evolução, admissão, prescrição, laudo para internamento, solicitação de TC, etc, etc... Saímos todos da sala para dar andamento àquele "caso".
Voltei uns minutinhos depois e a sala estava vazia. Havia apenas a senhora debilitada naquela maca. Duas gotas de sangue coagulado no chão. Seu olhar perdido... pude ouvir seu soluço de um pranto suspenso, talvez para que eu não visse que ela estava chorando. E medo! Nada mais do que medo em seus olhos. Como negligenciar os sentimentos daquele olhar, que ficou gravado na minha mente pelo restante do plantão? ERA "MEDO" QUE ELES QUERIAM GRITAR PARA QUE O MUNDO OUVISSE, mas eles apenas choravam. Provavelmente essa era a forma que ela encontrou de se consolar em sua dor causada pela doença, pelo temor de ser internada em um corredor, pelo pavor de abandonar sua filha nesse mundo...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O grande amor

Imagem retirada de br.olhares.com
Aproveitando que hoje é o Dia da Adoção (25 de maio), esse post vai ser em homenagem a um grande amor, amor entre mãe e filho. Não é necessário que eu diga que há centenas de crianças esperando por essa oportunidade: amar e ser amada. No Ceará, são mais de cinquenta crianças nos lares de adoção.
Ao sair da sala de "pequenas cirurgias", vejo uma senhora que, em seus quase quarenta anos e porte contrito, aguardava a sua vez de ser atendida. Estava junto a uma criança, um menino que não tinha ainda dez anos e estava na maca, de olhos inchados e arroxeados fechados serenamente. Interroguei a senhora sobre o que tinha acontecido àquela criança e, quando começou a falar sobre o atropelamento, irrompeu em um choro convulsivo. Depois de dado o seguimento do caso, fiquei observando aquela senhora: mão sobre mão e o toque delicado no rosto daquele ser frágil, uma mulher chorando a dor do seu filho, o medo de perdê-lo...
Amor maternal é mesmo algo além da nossa compreensão, e não precisa necessariamente ser entre mãe-filho. O amor a que me refiro é este que quer acolher, confortar; é este amor que foge a nossa razão e quaisquer que sejam as explicações, estas são irrelevantes por não conseguir traduzi-lo.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Eu tenho mais o que fazer!


Como eu sempre digo, esse não é um blog para falar mal disso ou daquilo, mas para relatar o que vejo e sinto em visitas a hospitais, postos de saúde, etc, etc. Logicamente, cada pessoa faz sua própria crítica daquilo que escrevo. Hoje trarei mais uma das histórias dos plantões da vida, que me chocou não pelo motivo que levou ao médico agir assim, mas sim a forma como ele o fez... Afinal, quem nunca ficou rezando para que acabasse seu expediente/aula que atire a primeira pedra!
Noite agitada de plantão e a sala lotada de estudantes -  da graduação e médicos-residentes. Chegou um homem ferido na cabeça e logo surgiu a dúvida de para qual especialidade ele seria encaminhado: pequenas-cirurgias ou cirurgia plástica?! O fato é que o ferimento iniciava-se no couro cabeludo e tinha outros cortes profundos na face, de modo que a metade superior da "cara" dele desceu sobre a metade inferior. Obviamente ele sentia muita dor e queria a todo tempo levantar essa parte que descia sobre seu olho.
Fui chamar o médico para que avaliasse o paciente. Quando ele viu o estado do paciente, olhou imediatamente para o relógio (COMO SE TIVESSE COM POUCO TEMPO - MAS AINDA FALTAVAM DEZ HORAS PARA TERMINAR O PLANTÃO DELE!) e soltou um p*ta merd* bem alto. Além disso, enquanto fazia o procedimento, fazia questão de deixar claro para o paciente que queria terminar logo e brigava com ele a todo momento por querer levantar a metade da sua face.
Claro que situações de emergência/urgência são mais que especiais: os médicos estão a "todo gás" e precisam agir com certa rapidez. Mas o que eu quero deixar de mensagem são duas coisinhas:

  1. O paciente não tem culpa por ter metade da sua "cara" caída e de estar sentindo dor, logo ele não deve ser um despejo de arrogância nossa.
  2. Nós (e eu me incluo nesse "nós") temos a mania de querer "acochambrar" nossas atividades e ter mais tempo livre. Porém, dentre as nossas responsabilidades, cumprir o plantão com qualidade é algo essencial. 

Um pouco de bom senso nunca é demais!

sábado, 14 de maio de 2011

Benefício para o outro...

Imagem de noticias.r7.com
Bem, essa semana eu tive uma grande lição que preciso compartilhar com vocês. Às vezes eu fico falando das agruras que presencio nos corredores e enfermarias de hospitais pela cidade e, quando tenho algo bom para contar, corro para falar aqui...
Sabe aqueles médicos que todos admiram pelo domínio que tem em determinada área... Eu acompanhava a aula de um desses mestres; estávamos em uma enfermaria e começávamos a conversar com uma paciente que ele havia operado a algum tempo. Ela ainda estava com sonda nasoenteral (dispositivo que permite que o alimento entre no intestino sem passar pelo caminho boca-esôfago-estômago, caindo direto no intestino), que é algo incômodo, mas essencial em seu pós-operatório. A paciente estava a dias sem beber ou mastigar algo, sendo suprida apenas por aquilo que passava pela sonda. VOCÊ JÁ IMAGINOU FICAR PELO MENOS UMA SEMANA SEM SENTIR A ÁGUA DESCENDO "GOELA A BAIXO" OU SEM TER A PERCEPÇÃO DOS SABORES DAQUILO QUE LHE ESTÁ ALIMENTANDO?!
O doutor virou-se para a paciente e perguntou o que ela mais queria nesse momento. Após algumas respostas, ela disse que era beber um copo d'água bem gelada. Foi então que aprendi mais uma lição que pretendo carregar para a vida: um homem formado em vida e na profissão falou a seus alunos que uma das coisas que mais lhe dava prazer na profissão era o momento de retirar a sonda do paciente e lhe oferecer o primeiro copo d'água... São esses pequenos gestos que tornam mais apaixonante as profissões que lidam com pessoas, pessoas que sentem e vivem singularmente...

terça-feira, 3 de maio de 2011

Entre ser passional e ser racional...

Foto retirada de comentada.blogspot.com
Claro que nunca podemos separar totalmente a razão e os nossos sentimentos; eles precisariam trabalhar juntos! Mas é muito, muito difícil saber em que pontos eles se tocam, e em que ponto eles devem se dissociar...

Entro na sala de emergência e lá está a paciente, deitada na maca. Ela estava falando com o doutor, chorando e com um corte recente para ser suturado. Bem, cena comum nos plantões. Mas ela estava chorando não somente pela dor que sentia; ela falou que tinha muito medo de agulhas e começou a chorar muito, antes mesmo de ser feita a anestesia.
ENTÃO VEIO O DILEMA: COMO EU PODERIA CONFORTAR A PACIENTE SEM ULTRAPASSAR A BARREIRA QUE OS LIVROS DE SEMIOLOGIA COLOCAM NA NOSSA FRENTE?!
Não esperei muito para tomar minha decisão, me aproximei da paciente e comecei a distraí-la... "Quantos filhos? Quantos netos!?", mas claro que ela percebeu o que eu estava tentando fazer, e isso só aumentou mais a tensão dela!
Aproximei-me de sua maca e ignorando os "ditames da praxe médica" segurei a mão dela e disse que ela não precisava ter medo e que estávamos ali para resolver o problema dela. Perguntei como começou esse medo de agulhas e tentei mostrar para ela que a prática médica não precisa ser fria e ignorar os temores dos pacientes. Não olhei para o doutor, não queria sentir o peso da reprovação, mas sai do plantão naquele dia um pouco mais feliz por ter feito algo real por alguém que precisava não somente de uns pontinhos, mas de uma pitada extra de compreensão...