sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Você já esteve em um hospital público?

HGF - Fonte: Google
Esse post foi produzido do ponto de vista de uma cidadã, de modo que quaisquer que se sentirem ofendidos têm livre direito de manifestar-se. Esse espaço também é seu!

Há alguns dias foi feita a seguinte enquete nesse blog: "Você já esteve em um hospital público?". Como de costume agradeço a quem participou e, a quem não participou, peço encarecidamente que participem da próxima vez! Inicialmente vamos aos resultados:

"Você já esteve em um hospital público?"

Como podem ver, dois pontos se destacaram:
²' O segundo mais votado foi em que alguém acompanhou e achou o atendimento bom. Certa vez, fui ao Hospital Y com minha mãe, hospital referência aqui em Fortaleza. Ela foi prontamente atendida e medicada, fizeram exames, aferiram a pressão e conversaram com ela. Ela foi ouvida por um médico e acompanhada por enfermeiras, que seguiram as instruções deste. Apesar de movimentado, o atendimento não foi prejudicado (aparentemente). Como eu estava só olhando e eu não era definitivamente quem estava sentindo dor, não tenho respaldo para garantir que tenha sido um excelente atendimento... mas pelo que eu pude ver, foi eficaz!
¹' O primeiro mais votado é o mais bradado pelos cidadãos não só de Fortaleza, mas do país como um todo. SÃO CONHECIDOS CASOS E MAIS CASOS DE MAU ATENDIMENTO, FALTA DE MATERIAL E DE RECURSOS HUMANOS. Uma colega de turma relatou uma atividade realizada por um(a) professor(a): ele(a) solicitou que os estudantes passassem vagarosamente nos corredores do Hospital X e pediu que reparassem no que normalmente a nossa pressa não nos permite. Ela disse que foi uma situação irreal, que era inacreditável como a gente passa todos os dias pelos mesmos locais e não via os pedaços das paredes caindo e os acompanhante pessimamente alocados. Aliás, os acompanhantes também passam dias e dias dormindo em cadeiras!

A primeira vez que eu entrei em um grande hospital, a sensação foi horrível. Entramos (minha amiga e eu) de jaleco, passando pela entrada de emergência. A visão era de um campo de guerra, com dezenas de pessoas deitadas nas macas, cadeiras, chão e similares. Ao passar, as pessoas nos olhavam, uns com raiva ("Esses médicos nem olham pra nossa cara! Não vão fazer nada, não?") e outros com um olhar de "súplica" ("Esses médicos nem olham pra nossa cara²! Façam alguma coisa, pelo amor de Deus!"). Como fazer algo se ainda estamos no início do curso? Eu me senti muito mal e certamente é uma cena que eu pretendo guardar para relembrar todos os dias que HÁ SEMPRE ALGUÉM COM NECESSIDADE DE ATENDIMENTO!






Esses dias eu ouvi uma frase que merece ser repassada e que foi de grande importância para que eu entendesse que (primeiro) não há apenas coisas ruins na nossa saúde e (segundo) nossa forma de agir vai definir se iremos ou não compactuar com o descaso que existe. Não vou citar quem falou porque (ainda) não pedi permissão a pessoa:
"A saúde (no Brasil) é uma ilha de eficiência em um mar de lama"
Asseguro, então, aos estudantes e profissionais da saúde que por ventura estejam lendo esse post: não é culpa só do profissional e somos/seremos forçados a trabalhar (muitas vezes) com recursos precários ou sem recursos mesmo. Mas precisamos dar o melhor que pudermos, afinal também fazemos a saúde do Brasil.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

"Dr., o que o senhor está sentindo?"

Autorretrato de goya com o Dr.Arrieta 
Uma situação de grande aprendizado, e que ocorre com uma certa frequência, é ter um médico na situação de paciente e isso nem sempre transcorre de maneira tranquila e "aceitável" como ocorre com pacientes não-médicos. Por seu conhecimento do que a doença pode lhe causar (dentre outros fatores), o médico vê-se como "aquele capaz de identificar sua doença" e, em geral, recusa ajuda de outro profissional. Certa vez, ouvi o relato de um(a) médico(a) que apenas reiterou essa afirmativa. Ele(a) disse que, por já ter passado por um enfarte, estava de "sobreaviso" e, qualquer dor que sentia, acreditava tratar-se de um novo "ataque". Então, em um certo dia, sentiu uma dor muito forte, chegando a urrar de sofrimento. O caminho todo para o hospital foi um sofrimento, e ele(a) automedicou-se, tomando AS no caminho do atendimento.
Ao chegar lá, em sendo recebido(a) por um residente, disse que NÃO PRECISAVA FAZER AQUELA SÉRIE DE PERGUNTAS, PORQUE ELE TINHA CERTEZA DE ESTAR ENFARTANDO. O residente não continuou a rotina de perguntas e deu seguimento à solicitação de exames, que foram negativos para enfarte. Depois de algum tempo de investigação e através de um palpite aparentemente simples de um residente, o exame correto foi feito e tratava-se de outra doença.
O fato é que o profissional formado em Medicina tem uma grande dificuldade em aceitar a ajuda de um colega e, além disso, aceita a máxima popular de que MÉDICO NÃO ADOECE. É muito difícil para alguém que é treinado para curar encontrar-se em uma situação de fragilidade, como é a doença. Falta no currículo médico o ensino de que somos passíveis da doença e da morte... CONHECEMOS O CORPO, MAS NÃO SABEMOS COMO SER INATINGÍVEIS.
"O profissional da saúde está preparado para a cura, mas é frequentemente angustiado pela morte." Alexandrina Maria da Silva Meleiro em PSICOLOGIA MÉDICA (M. Caixeita, 2005, Ed. Guanabar Koogan)

domingo, 21 de novembro de 2010

E quem é normal?

Pintura de Mahmoud Farshchian
Esses dias tive contato pela primeira vez com um paciente "psiquiátrico". Bem, pessoas que têm transtornos mentais, dos mais variados graus e modos, são geralmente alvo de preconceito nas ruas, nas famílias, ... , em hospitais! Nossa "missão" era fazer um acesso venoso em algum paciente que estivesse precisando renová-lo. Enquanto preparávamos o material, todos nos diziam que era arriscado, que esse paciente já tinha quase furado uma enfermeira, que ele chutava, "cuidado com isso", "cuidado com aquilo"... Nos encaminhamos para a beira do leito e lá estava aquele senhor, todo enrolado em um lençol, com o mesmo aspecto indefeso que ficamos quando estamos doentes. O(A) professor(a) se apresentou e a primeira lição foi aprendida: DESARME-SE PARA FALAR COM OS PACIENTES... Nós saímos do conforto dos nossos lares e estamos em plena saúde, podemos agir como bem entendermos. Mas a pessoa doente está, em geral, mais fragilizada e disso não podemos esquecer. O(A) professor(a) aproximou-se do paciente, encurvou-se pra ficar ao nível dos seus olhos e informou o que iria fazer e - principalmente - porque iria fazer. Lógico que não é nada fácil explicar a uma pessoa (mesmo sem transtornos psiquiátricos) que ela vai sentir dor, mas foi-lhe explicado que seria feito o possível para que a dor fosse mínima, que era como tirar sangue!
Foi escolhido o abocath menor, para causar o mínimo de dor e facilitar o trato com o paciente. Ele, de tão nervoso, fez menção de sentir dor ainda quando estávamos passando algodão com álcool. Passou a maior parte do tempo com o braço dobrado, impossibilitando a visualização de suas veias e ainda nos disse para não segurar seus pés. Algum tempo foi gasto com aquela tentativa e com as suas sucessivas permissões e imediatas negações. Porém, muito foi apreendido naquele quadro: ao paciente dito "psiquiátrico" deve ser dispendida especial atenção e paciência e o profissional deve estar ciente dos seus limites. Após algumas tentativas, o(a) professor(a) perguntou ao paciente se este queria que nos retirássemos (o(a) professor(a) e os alunos). Ele disse "sim" e, sem irritação, saímos.
É importante que estejamos conscientes de que nem sempre é possível realizar determinados procedimentos e que isso será uma constante na prática médica. Assim, TEMOS QUE ESTAR PREPARADOS PARA RECEBER "NÃOS" (sugestão de leitura: "Quando o paciente te diz não") E PARA NÃO DESISTIR DO PACIENTE. Como eu disse, antes de irmos ao leito, fomos completamente desestimulados a prosseguir; se tivéssemos desistido, não teríamos mais essa valiosa lição!

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"Você só teve uma parceira? E parceiros?"

Foto retirada de http://medicineisart.blogspot.com
Toda pessoa, antes de ser paciente, possui uma vida, seus desejos e seus pudores... O interessante é que, nessa correria de ¹pegar informações, ²dar o diagnóstico e ³medicar, nós podemos esquecer que aquela pessoa tem outros pensamentos que não a sua doença. Por isso, devemos entender que PODE SER DIFÍCIL PARA O PACIENTE FALAR SUAS INTIMIDADES A UM DESCONHECIDO, ainda que seja para auxiliar no diagnóstico da sua enfermidade!
Passei por algumas situações e ouvi outras que merecem ser repassadas. Certa feita, enquanto colhíamos a história de um paciente (♂), chegamos na parte de perguntar sobre seu comportamento sexual e outros dados relacionados. Antes disso, o paciente falou sobre tudo, sem hesitações. Como era um das nossas primeiras entrevistas o(a) professor(a) passou a fazer as perguntas pela turma: "possui vida sexual ativa?", "possui parceiro(a) fixo?", "possui relacionamento extra-conjugal?", "já teve alguma relação do tipo homossexual?"... E o paciente foi gradualmente baixando a voz e ficando tímido para responder... Reconheço a necessidade de se conhecer esses dados, mas nem todo caso isso possui tal relevância a ponto de ser esmiuçado como estava sendo feito. O fato é que, mesmo voltando ao normal após essas bateria de perguntas, havia ficado uma sensação "chata", e apesar de saber que SEGREDOS SÃO GUARDADOS CONOSCO DIARIAMENTE, aquele homem (com toda sua vida, suas histórias e sua individualidade) tinha contado coisas bastante pessoais. Após o primeiro contato com esse tipo de abordagem, fui colher a história de uma paciente (♀), adolescente e muito apegada à mãe (que estava presente). Aproveitando um instante oportuno para fazer-lhe "essas perguntas", notei duas coisas importantes: ¹ é difícil encontrar um paciente que não se assuste/constranja com essa abordagem e ² QUALQUER PERGUNTA ÍNTIMA QUE SE VAI FAZER DEVE SER FEITA DA MANEIRA MAIS NATURAL E MAIS INDIVIDUALMENTE POSSÍVEL. A maioria dos nossos hospitais públicos não possui salas isoladas (algum possui?), então deve-se esperar que o paciente esteja só e fazer a pergunta com um tom de voz baixo.
Certa vez me relataram um caso que nos mostra a complexidade e variação de reações quanto ao tema "relações sexuais" na conversa com o paciente. Esse(a) meu(minha) colega foi conversar com uma senhorinha e estava apreensivo(a) sobre como abordar esse tema e como seria a reação da paciente. Quando foram iniciadas as perguntas, a senhorinha simplesmente respondeu-as e começou a falar da saudade que tinha do marido, do seu lar e de como ele ligava para ela muitas vezes. Falou de suas lembranças e saudades e, ao fim da entrevista, agradeceu e pediu que ele(a) lhe desse um abraço (fez questão de levantar-se para cumprimentá-lo(a) ). Outro caso foi o oposto... no meio da conversa sobre a doença, o(a) paciente entrou no assunto sexualidade e falou sobre suas preferências sexuais. O(A) acompanhante olhou-o(a) e se retirou, visivelmente incomodado com aquele assunto.

Ressalto aqui a importância de preservar o segredo médico (e o segredo de enfermeiros, de auxiliares de enfermagem, de farmacêuticos, de odontólogos, de fisioterapêutas, etc, etc...) e de respeitar o paciente quanto a isso. Por fim, é necessário cuidado e atenção no nosso diálogo com o paciente sobre quaisquer assuntos, mas é de extrema importância que a sexualidade seja abordada de forma natural, índividual e que se mantenha sigilo sobre o que nos é dito. Como eu havia falado, OS PACIENTES TÊM VIDA FORA DA SUA DOENÇA!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Emocione-se... pelo menos uma vez!

Uma emoção única na frente de todas as outras que você já teve
Depois de algumas semanas de blog, chegou ao fim a mini-enquete que eu fiz para abordar um tema muito importante: "Você já se emocionou na frente de um paciente?" (agradeço quem votou, sua contribuição foi muito importante!)
Algumas vezes na nossa vida os momentos pedem que fiquemos com "cara de paisagem", e algumas vezes isso não é fácil! Quem já passou por uma situação dessa, sabe do que eu estou falando. Ter que "engolir o choro" e respirar fundo... é a única dica que eu posso dar, porque emocionar-se é inevitável. Bem, das experiências que já tive, vou contar-lhes uma delas. Entramos no quarto em que só tinham dois pacientes (♂). Fizemos a entrevista e seguimos para entrevistar uma parente do outro paciente (ele estava com dificuldade de se comunicar). De repente, o primeiro paciente começou a gritar. Um(a) funcionário(a) estava trocando seus curativos e ele estava sentindo uma dor enorme. OS SEUS GRITOS DE DOR ME ESTREMECERAM, ERAM TÃO INTENSOS QUE EU QUASE PODIA SENTI-LOS BATER NOS MEUS TÍMPANOS. Não eram gritos escandalosos, eram gritos de um homem que sofria. A turma ficou imóvel e o(a) professor(a) continuava discutindo algo sobre a doença do segundo paciente... mas ai eu já não estava mais ouvindo o professor. Como aquela senhora que eu disse no post anterior (texto "A primeira..."), cometi o mesmo erro: virei e o fitei. O(a) funcionário(a) continuava trocando os curativos da perna amputada, e eu continuava a olhar todo aquele sofrimento sem poder agir.
Logo depois, outra emoção, de uma maneira diferente. A parente do segundo paciente começou a falar da evolução da doença do seu marido e aquela forma doce de estar ao lado dele me fascinou. A todo momento ela se preocupava com o conforto dele, suas vontades e necessidades. Aquela mulher caminhou ao lado do marido (com sua enfermidade) por mais de dez anos - fora o período de casados anterior à doença. Ela comentou do quanto ela havia emagrecido e sofrido no período do diagnóstico da doença e nos mostrou fotos do casamento deles. Falou dos filhos e de como aquele homem foi pouco a pouco padecendo com a doença. Abruptamente interrompeu o relato que fazia, encurvou-se sobre o leito e virou-se para o marido: "Você falou alguma coisa, meu bem?". A FALA DELE ERA SÓ UM FILETINHO DE VOZ, MAS A AUDIÇÃO DA ESPOSA OUVIA PERFEITAMENTE QUALQUER MENÇÃO A FALAR... é, eu disse "menção"!
Então as emoções realmente fazem parte do nosso cotidiano, às vezes forte, às vezes nem tanto, mas sempre nos acompanham. A mini-enquete que eu fiz teve o seguinte resultado:

Você já se emocionou na frente de um paciente?

A quem ainda não se emocionou... bem, sempre há uma primeira vez! Aos demais lembre-se que SOMOS HUMANOS, MAS NOSSOS PACIENTES TAMBÉM: PODE SER QUE, ÀS VEZES, ELES PRECISEM DA NOSSA FORÇA; E OUTRAS VEZES, DO NOSSO SENTIMENTO.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A primeira...


Final do ano se aproximando e aquela sensação de nostalgia foi se aproximando... relembrando as minhas experiências no Hospital "X", pensei em falar um pouco da primeira paciente que eu tive contato. Antes de iniciar as atividades de "coleta de dados", eu comecei a ler o Porto (Semiologia Médica - Porto®) e tinha o relato de algumas experiências de estudantes com pacientes. Claro, fiquei mais nervosa ainda para o que me aguardava! O fato é que era quase na hora do almoço quando eu entrei no quarto. Aquela senhora me olhou e eu disse um bom dia animado. Sempre achei que convencer um paciente a conversar fosse extremamente difícil. Comecei falando quem eu era, o que pretendia e que ela poderia me mandar embora no momento que quisesse. Ela assentiu e eu comecei a perguntar sobre a doença. Interessante como nós nos identificamos com alguns dos pacientes, e mais: como AS DICAS DOS PROFESSORES/MESTRES DE "NÃO SE APEGAR" FICAM GRITANDO NOS NOSSOS OUVIDOS. Como não se envolver com o relato da dor de um ser humano? Como não se importar com a sua trajetória e como não mostrar isso em gestos e palavras? Isso é uma arte; e como arte, cada um expressa da sua forma!
Quando as perguntas do roteiro chegaram na parte de perguntar sobre a família, a paciente começou a chorar. Ela estava envergonhada e pedia desculpas por aquilo. Desculpas por mostrar-se humana? Pois é, a conceituação de "ato médico" está socialmente tachada como "fria". Eu não tinha lenço (e nosso(a) professor(a) de "Desenvolvimento Pessoal" tinha avisado para sempre levar na bolsa!) e só pude oferecer um guardanapo que tinha na cômoda e minha licença para ela se expressar... muito anormal isso!
Uma funcionária do hospital trouxe o almoço da paciente e eu sentei para esperá-la terminar de comer. Bem, ficar observando aquela senhora comendo não foi uma boa idéia. TODA SENSAÇÃO QUE TEMOS TEM INFLUÊNCIA DE EXPERIÊNCIAS QUE JÁ TIVEMOS, então observá-la foi lembrar da minha avó e de muitas outras senhorinhas, foi pensar em como somos frágeis e o quanto de história carregamos conosco, foi brigar comigo mesma por ser cobrada para não me envolver, foi... foi... foi difícil!
Eu havia perguntado a um(a) professor(a) qual a opinião dele sobre nossas ações a beira do leito, em especial, perguntei o que ele(a) achava de passar a mão na cabeça do paciente... Sua resposta foi de que isso era muito pessoal, que o paciente confundiria isso com permissividade e que tínhamos que manter a postura de profissionais. Outro dia fomos (minha turma e um(a) outro(a) professor(a) ) discutir o caso dessa paciente. Quando todos saíram, voltei, perguntei como ela estava se sentindo e passei a mão na sua cabeça. MINHA MÃO SOBRE AQUELES CABELOS RALINHOS, RALINHOS, ME FIZERAM LEMBRAR QUE, ANTES DE PROFISSIONAL, PRETENDO AINDA SER HUMANA DAQUI HÁ 10 ANOS. O limite entre o profissional e o pessoal é muito tênue e não existe certo ou errado em ciências humanas. Eu ainda procuro o que é o certo... ainda!

sábado, 6 de novembro de 2010

O seu procedimento tem riscos, sim!

Imagem de Arthur Rackham (Scrooge) - Você quer conhecer a verdade?
Atualmente discute-se muito a necessidade de compartilhar com o paciente o passo-a-passo dos procedimentos a que será submetido e a sua doença. É interessante como muitos de nós tende a pensar que não adianta discutir essas coisas com o paciente, já que este não teria - teoricamente - como entender muitas das coisas que nós diríamos. Mas é fato que há diversas formas de expor esses fatos aos pacientes, e que eles têm total direito de saber e discutir sobre esses procedimentos.
Dia desses eu tive uma das mais ricas experiências no que diz respeito a pôr em prática o que se fala em sala. Em uma aula, abordamos uma paciente para fazer uns exames já que esta seria submetida a uma cirurgia. Até ai, eu não sabia como seria isso, se seriam feitas perguntas e o encaminhamento , ou se nós apenas auscultaríamos coração/pulmão, olharíamos as mucosas e leríamos exames laboratoriais. Pois bem, começada a aula, o(a) doutor(a) começou a fazer uma série de perguntas, sempre explicando o porque de cada uma delas - para nós e para a paciente. Ao fim disso, virou-se para ela (e exclusivamente para ela) explicando os riscos da cirurgia e principalmente os procedimentos. Falou do tubo que percorreria a sua garganta, da forma que seria sedada, de como acordaria e o que ocorreria caso houvesse complicações na cirurgia. falou do suporte técnico do Hospital "X" e de como, pela sua experiência, ele via os riscos dessa cirurgia. TUDO ISSO DE MANEIRA CLARA, OBJETIVA E DOCE - A PACIENTE SOUBE EXATAMENTE O QUE LHE OCORRERIA E PÔDE TIRAR SUAS DÚVIDAS.
Por muito tempo duvidei de que fosse possível abordar o paciente, explicando-lhe sua doença e como a equipe hospitalar agiria. Naquele dia pude ver que, mais do que pacientes, são pessoas que - como eu já havia mencionado antes (texto "Mas não foi isso que você me perguntou") - têm autonomia. Outro dia tive a oportunidade de ver um procedimento ser feito sem ao menos falar com a paciente: vi-a deitada na maca, umas sete pessoas da equipe para cima e para baixo, atarefados demais para avisar a hora que iriam injetar o anestésico na veia. Ao penetrar nos vasos sanguíneos, o ardor "não avisado" pôde ser sentido até por mim, que assistia a expressão facial da paciente modificar-se, contorcer-se a olhos vivos, sem que a equipe percebesse. E não foi somente eu quem percebeu... Enfim, compartilhar com o paciente os fatos da sua doença pode parecer boabagem, mas é um direito que ele tem. Porém, têm-se formas e mais formas de se fazer isso, mas esse é assunto para uma outra hora...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

"Mas não foi isso que você me perguntou"

"Mas não foi isso que você me perguntou"... foi o que eu ouvi uma paciente dizer a(o) doutor(a). O engraçado é que nós, em geral, não costumamos ver pacientes que impõem sua vontade - ou não queremos notá-los. Essa foi mais uma das lições ensinadas a mim pelos pacientes: ELES TÊM AUTONOMIA, VONTADES E VOZ!
Estava em uma aula comum, quando vi aquela senhorinha indefesa no leito. Ora, avistando-a houve que pensasse (eu me incluo) na descrição clássica para escrever no exame físico: estado geral regular, fácies cansada... Quando começamos as perguntar, as resposta vieram meio em tom de deboche:

"o que trouxe a senhora aqui?"
"eu tava com dor na barriga e o médico disse que era rim" (modificado)
"mas o que a senhora sentiu pra ter ido no médico"
"pois eu tava com essa dor, fiz uns exames e o médico disse que era rim"
"não, mas a  minha pergunta 'foi o que a senhora sentiu pra ter ido ao médico' "
"mas não foi isso que você me perguntou"


Mais tarde, apesar de o esforço para negar a relação dor na barriga e rim, a paciente se mantinha firme: tem relação com o rim sim! O interessante é que cada paciente tem a sua própria forma de ser autônomo ou de se entregar aos cuidados do profissional. Alguns só informam o que estão sentido e, quando perguntamos se têm dúvidas, apenas negativam com a cabeça. Outros se mostram mais entregues, como foi em uma entrevista, quando perguntamos se a paciente tinha alguma pergunta, ela falou "eu só quero saber se eu tenho câncer, doutor(a)". Mas há aqueles que se fazem ouvir...
Aliás, autonomia não é qualidade só do paciente que nós iremos lidar... Certa vez, a acompanhante de um paciente (este bastante debilitado) me chamou bastante a atenção e merece ser citada como exemplo de autonomia, ou melhor, posse de sua realidade. Apesar de ter sua vida girando em torno da doença do marido (a doença adoece também o lar), a acompanhante se mostrou ativa e conhecedora da realidade que cercava seu marido. Logicamente, não conhecia muitas das coisas que são invariavelmente omitidas pelos profissionais, mas ela deu mostrou-se conhecedora de todos os procedimentos, exames, hipóteses, etc, etc, nesses quase dez anos de doença do marido.
Ou seja, a gente não pode esquecer que o paciente (e sua família) tem vontades... DEIXE ELE FALAR, PERGUNTAR, SE EXPRESSAR... DOIS MINUTINHOS CEDIDOS ÀS VONTADES DELES NÃO VÃO MUDAR A NOSSA VIDA, mas pode melhorar consideravelmente a auto-estima deles e a vontade de encarar a sua doença.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Você é meu...

Ilustração de Arthur Rackham
Muitos de nós pensamos que tudo o que nos cerca é nosso, ou diz respeito a nós. Muitos de nossos pensamentos têm como imagem central nós mesmos. E isso não é ser certo ou errado, é apenas a realidade. Mas até onde essa forma de agir não irá interferir na forma que agimos com as outras pessoas? Aqueles que prestamos serviços (os pacientes) percebem essa "mania" de nos colocarmos no centro de tudo?! EMPATIA: "Tendência para sentir o que sentiria caso estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por outra pessoa" (Dicionário Aurélio). A empatia seria a solução para a melhor atuação com os pacientes. Quantas vezes não escutei (e eu mesmo digo) "vou ver o 'meu' paciente", ou ainda "o 'meu' paciente estava...". Bem, é por agir assim que muitas vezes expomos os doentes a situações ruins e, muitas vezes, dolorosas.
Nesse dia entramos no quarto com diversos pacientes que nos olhavam, como sempre, apreensivos. Entrar no quarto com cadernos nas mãos é sempre uma situação em que suspendo a respiração e aguardo os olhares fuzilantes sobre mim. Nos aproximamos de uma senhora, jovem, casada e muito, muito doente. Sua febre estava tão alta que sua fala era entrecortada pelo "bater de dentes". Além disso, seu coração palpitava tão alto que o subir-descer torácico podia ser percebido sobre suas vestes. Ela foi avisada de que poderia nos dispensar quando se sentisse incomodada, e isso foi reiterado diversas vezes pelo(a) profissional que nos acompanhava. Porém, isso era dito da seguinte forma: "se a senhora estiver muito cansada, pode avisar que a gente para, mas me diga como foi que começou essa doença". E mais uma bateria de perguntar eram "vomitadas", e isso se seguiu por mais duas horas e meia... A última meia hora foi gasta com o exame físico... diversos alunos palpando linfonodos cervicais, occipitais, axilares, ... Discutindo se sua fácies era de lua cheia ou se era apenas edema, (o(a) profissional) contando relatos sobre pessoas que não podiam ter filhos, que tinham tido câncer, que tinham tido eritroblastose fetal... o marido daquela senhora nos olhava com olhar de súplica, talvez pensando: "ela sobrevive, doutor(a)?".


Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=bMcQ4U_U6n4&feature=channel
A profissional age como muitos de nós: não explica os procedimentos e não fornece opções para o paciente


Então, tendo essas experiências, eu me pergunto: onde está a nossa empatia? Esses seres humanos têm o direito de saber "o que têm", "por que têm", "como não ter"... É fato que O RELATO DOS PACIENTE É PARTE ESSENCIAL DAS NOSSAS ATIVIDADES, NOS AUXILIA NO ENSINO E PERMITE QUE BUSQUEMOS A CURA (OU PALIAÇÃO) DA SUA DOENÇA, mas muitas vezes saio "arrasada" do hospital. São pessoas que sofrem e que só querem se livrar daquilo. São pessoas que nos prestam um serviço e que têm como recompensa a possibilidade de se curar. Cabe a nós, futuros médicos, saber quando devemos submeter o paciente a determinados esforços ou quando devemos procurar alternativas para isso...