quinta-feira, 4 de novembro de 2010

"Mas não foi isso que você me perguntou"

"Mas não foi isso que você me perguntou"... foi o que eu ouvi uma paciente dizer a(o) doutor(a). O engraçado é que nós, em geral, não costumamos ver pacientes que impõem sua vontade - ou não queremos notá-los. Essa foi mais uma das lições ensinadas a mim pelos pacientes: ELES TÊM AUTONOMIA, VONTADES E VOZ!
Estava em uma aula comum, quando vi aquela senhorinha indefesa no leito. Ora, avistando-a houve que pensasse (eu me incluo) na descrição clássica para escrever no exame físico: estado geral regular, fácies cansada... Quando começamos as perguntar, as resposta vieram meio em tom de deboche:

"o que trouxe a senhora aqui?"
"eu tava com dor na barriga e o médico disse que era rim" (modificado)
"mas o que a senhora sentiu pra ter ido no médico"
"pois eu tava com essa dor, fiz uns exames e o médico disse que era rim"
"não, mas a  minha pergunta 'foi o que a senhora sentiu pra ter ido ao médico' "
"mas não foi isso que você me perguntou"


Mais tarde, apesar de o esforço para negar a relação dor na barriga e rim, a paciente se mantinha firme: tem relação com o rim sim! O interessante é que cada paciente tem a sua própria forma de ser autônomo ou de se entregar aos cuidados do profissional. Alguns só informam o que estão sentido e, quando perguntamos se têm dúvidas, apenas negativam com a cabeça. Outros se mostram mais entregues, como foi em uma entrevista, quando perguntamos se a paciente tinha alguma pergunta, ela falou "eu só quero saber se eu tenho câncer, doutor(a)". Mas há aqueles que se fazem ouvir...
Aliás, autonomia não é qualidade só do paciente que nós iremos lidar... Certa vez, a acompanhante de um paciente (este bastante debilitado) me chamou bastante a atenção e merece ser citada como exemplo de autonomia, ou melhor, posse de sua realidade. Apesar de ter sua vida girando em torno da doença do marido (a doença adoece também o lar), a acompanhante se mostrou ativa e conhecedora da realidade que cercava seu marido. Logicamente, não conhecia muitas das coisas que são invariavelmente omitidas pelos profissionais, mas ela deu mostrou-se conhecedora de todos os procedimentos, exames, hipóteses, etc, etc, nesses quase dez anos de doença do marido.
Ou seja, a gente não pode esquecer que o paciente (e sua família) tem vontades... DEIXE ELE FALAR, PERGUNTAR, SE EXPRESSAR... DOIS MINUTINHOS CEDIDOS ÀS VONTADES DELES NÃO VÃO MUDAR A NOSSA VIDA, mas pode melhorar consideravelmente a auto-estima deles e a vontade de encarar a sua doença.

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