quarta-feira, 29 de junho de 2011

Série Sentimentos: Pacientes Ensinam a Raiva

Imagem retirada de: jhonatasricardo.wordpress.com
Sentimentos nobres ou não, estamos todos sujeitos às nossas emoções... Quem nunca sentiu raiva, que atire a primeira mentira!
Plantão bastante movimentado, não parava de chegar pacientes: quedas em casa, quedas de moto, tiros, dores abdominais, espancamentos... Paciente após pacientes, todos igualmente necessitando de ajuda. Assim, como é regra em todos os hospitais de emergência, são atendidos aqueles que apresentam potencial risco de morte antes de quaisquer outros. Partindo desse princípios, vários pacientes graves foram sendo vistos, medicados e encaminhados; e havia um casal que aguardava o atendimento.
Lá pelas tantas, quando mais um paciente bastante debilitado chegara e passara na frente do casal, a mulher ficara bastante irritada. É interessante como cada pessoa se expressa à sua maneira. Ela começou a reclamar que não aceitava esse absurdo, que várias pessoas já haviam passado na frente de seu marido, que isso, que aquilo. A médica começou a lhe explicar os procedimentos na emergência, que aquilo era uma regra de todos os hospitais. A acompanhante, por sua vez, disse que só naquela "porcaria" era que isso ocorria e completou: "MAL-EDUCADA É TU, 'BUNITINHA'".
Logicamente, profissionais devem evitar ao máximo o confronto com os pacientes; porém os pacientes precisam também entender que, primeiro, temos limites e, segundo, também trabalhamos sob pressão. Devemos entender que os pacientes e seus acompanhantes estão temerosos como o que pode acontecer de suas vidas, mas nós também temos nossas preocupações. Aquela médica simplesmente se retirou e solicitou que um colega a substituísse. Achei muito legal a atitude dela. Imagine se, em vez disso, ela revidasse!
Os pacientes nos ensinam o amor, mas também nos ensinam com a sua raiva!

terça-feira, 28 de junho de 2011

Série Sentimentos: Pacientes Ensinam o Amor


Como os propósitos centrais desse blog é relatar o que tenho aprendido com os pacientes e repassar a vocês essas experiências, aqui vai mais um texto das belas coisas que vejo em meio a uma "saúde humana" que está em crise...
O plantão começara cedo. Diferentemente dos demais plantões, este foi durante o dia, então os casos vistos na Emergência são outros. Assim, lá pelas tantas da tarde, entra na sala uma família que trazia uma senhora. Esta apresentava problemas de saúde e estava debilitada. O médico indicou a cirurgia ao passo que emendou dizendo que ERA UMA CIRURGIA DE GRANDE RISCO DE MORTE, SENDO A ÚNICA TERAPIA DISPONÍVEL PARA O CASO.
Essa notícia assim, dada "na lata", sem meias palavras me comoveu não somente pela gravidade da questão, mas principalmente pelas figuras humanas que ali se apresentavam...
Era um casal de meia idade, juntos por quase toda a vida. Ela, acamada e frágil, há tanto tempo com a aliança que esta teimava em sair do dedo (para que ela subisse ao centro cirúrgico era necessário retirar tudo!). Ele, fala leve e amorosa, falava que tudo ia dar certo e lhe acariciava os cabelos. Não sei de suas vidas fora dali, mas aquela simples imagem mostrou-me que OS PACIENTES NOS ENSINAM MUITAS COISAS - OU AS JOGAM EM NOSSAS CARAS, ASSIM, ESCANCARADAMENTE. Estes? Estes me ensinaram o amor, o longo amor que os anos vêm passar.

sábado, 25 de junho de 2011

Não há só o seu mundo

Imagem retirada de http://downloads.open4group.com
Esses dias tive uma aula interessante que, apesar de não ter tido contato com pacientes, me esclareceu algumas verdades que teimo em esquecer.
Era uma aula de campo sobre a História da Medicina e fomos visitar uma famosa instituição da cidade: Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, completando (em 2011) seus 150 anos. Não chegamos a entrar, mas nos foram discorridas as situações que ocorreram ali durante sua longa história e as riquezas de seus arredores, onde se localiza uma importante praça da cidade - o Passeio Público. Ao passo que o professor contava que a Santa Casa fora construída de frente para o mar (que, como acreditavam, sanaria as impurezas do ambiente levando-as para longe), me peguei refletindo A NOSSA PEQUENEZ ANTE A GRANDEZA QUE É A VIDA. OU MELHOR, AS VIDAS! Assim, ficou-me muito claro naquele instante que tratamos pessoas, e não suas doenças. Sacal? Talvez! Mas nem por isso deixa de ser verdadeiro.
Costumamos, enquanto estudantes e/ou profissionais da saúde, ver nossos locais de trabalho e seus frequentadores como salas desarrumadas e máquinas quebradas, nesta ordem. Esquecemos, porém, que suas vidas não são aquelas doenças e que o que importa não é somente aquele momento. A Santa Casa completa 150 anos e quantas histórias fizeram-na chegar ao que é! Quantas pessoas não olharam por suas janelas, vislumbrando o mar e desejando apenas que aquela fase de doença passasse para cuidar do filho, ralhar o marido, sorrir com os amigos...
SOMOS SERES COMPLETOS, MULTI-FACETADOS. MAS NÃO SOMOS O CENTRO DO UNIVERSO. SOMOS UM PEDAÇO DESTE. Apenas nossa arrogância não nos permite conviver bem com essa verdade!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

"Dá vontade de largar tudo"

Pintura: "Plites, Son of Priam,
Observes the Movements of the Greeks",
de Hippolyte Flandrin, 1834
Quem costuma refletir sua própria "atuação" na vida? Saber se está agindo bem, se está feliz, se fez as escolhas certas...? Não falo de crise existencial, porque não precisamos disso para pensar na vida; falo de reconhecer os erros e acertos e, mais que isso, tentar melhorar.
Esses dias, em uma dessas aulas que nos força a pensar em nossas ações, ouvi de um(a) doutor(a) os seguintes dizeres: "Fiquei a semana toda mal, pensando não só no que havia acontecido, na família, naquela mãe... se eu tivesse condições (financeiras), EU TINHA LARGADO TUDO, TINHA ME APOSENTADO". Ele(a) estava narrando algo que ocorrera na sua prática médica e que lhe custou horas de reflexão e angústia.
Engraçado, não é tão fácil - como eu pensava - reconhecer onde está aquele "escorregão" da gente. E mais difícil ainda é quando a gente percebe que fomos negligentes, grosseiro, egoístas... Quando eu ouvi esse relato, eu percebi duas coisas: primeiro, é grave quando se avança muito na vida sem parar para pensar se é realmente por ali que você quer ir; segundo, quando se "chega lá", nem sempre resolvemos qual será o próximo passo.
Para finalizar, hoje conheci uma bela frase que resume muito de qual esse "caminho certo" que passamos a vida procurando:
"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura" Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa
Então, o que posso dizer sobre esse "caminho certo"? A RESPOSTA É AMAR O QUE VOCÊ ESCOLHER!



domingo, 12 de junho de 2011

Em desespero!


Como avaliar se um médico é um bom profissional? Essa não é uma questão muito fácil de se responder, tendo em vista que somos humanos e passíveis de muitos erros. Mas quando se põe a vida de uma pessoa (ou várias delas) em risco, devemos ser um pouquinho mais criteriosos.
Assim, alguns erros que me foram relatados têm me chamado atenção nesses últimos dias, coisas que acontecem em hospitais, clínicas, postos de saúde... e que nos deixa a pergunta: COMO ESTÃO SENDO EDUCADOS OS NOSSOS MÉDICOS? Vou narrar três fatos, simples e com diferentes potenciais de risco:

Risco 1: Profissional-médico* faz a prescrição de algumas medicações a serem aplicadas em um paciente. Porém, colocou um dose de medicação que seria letal, podendo matar o paciente em segundos. Ao ler o que havia sido mandado aplicar, a enfermeira percebeu algo errado e foi perguntar ao profissional-médico* se era realmente aquilo que ele queria escrever. A prescrição foi corrigida.

Risco 2: Paciente acidentado chega muito mal ao hospital. São verificados os sinais vitais e ele é mandado para fazer os exames. Porém, quando ele volta, devido a demora e a falta de assistência do profissional-médico*, ELE COMEÇA A PIORAR MUITO, ENTRANDO EM CHOQUE SEM QUE TENHA SIDO NOTADO. Alguns estudantes, que observavam os pacientes, perceberam algo errado com ele e fizeram alguns exames, ao que ele foi imediatamente encaminhado para atendimento de emergência.

Risco 3: Paciente chega "sem conseguir respirar" à unidade, sendo necessário colocar um tubo para que ele pudesse captar o ar. O profissional-médico* colocou um tubo na boca do paciente e soprou com a própria boca no paciente.

*profissional-médico = residente, interno, médico especialista... etc

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Quando um homem chora

Pintura de Hippolyte Flandrin: Jovem sentado a beira mar (1836)
Muitas discussões surgem ao redor da velha frase "homem não chora". Não é pretensão minha chegar a conclusão alguma; quero apenas abordar esse tema tão constante sob uma nova perspectiva...: eles também choram!
Sabe aqueles dias em que se está exausta, querendo apenas se recostar em um canto para ler (sim, ler, já que quando eu estou nos hospitais não tenho muito sono, fico mais para "eufórica"!). Era um desses dias, quando fomos ver uma ocorrência com o médico-plantonista.
Era um senhor de meia-idade, que já vinha sendo acompanhado por médicos, mas que precisa urgente de atendimento médico. Começaram os procedimentos e eu fiquei auxiliando o doutor. Estava tão entretida no que fazia, que me assustei ao ouvir um som estranho, diria até gutural, que chegou aos meus ouvidos não sabia por onde. Levantei rapidamente a vista e DEPAREI UMA FISIONOMIA DISFORME, UMA MISTURA DE RISO E DOR SE DESENHAVAM NAQUELA FACE DE ONDE O SOM INDISTINGUÍVEL BROTAVA. Era um homem chorando, um choro ao mesmo tempo dolorido e trancado, como se escapasse aos poucos pela boca que não queria calar.
Olhei intrigada aquela cena. Vira outras vezes homens chorando, obviamente. Choro de amor, de raiva, até de dor; mas esse choro foi diferente! Era como se nenhum outro barulho daquele movimentado hospital estivesse mais importunando, e apenas aquele som se fizesse ouvir. Era fato: homens também choram!