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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Os tão grandes olhos marejados

Imagem retirada de primeirahora.com.br
Já havíamos comentado o caso dela, discutido e rediscutido. Dez alunos e um professor, todos apertados nos jalecos brancos, os pés latejando pelas horas passadas em pé. Doze leitos com pacientes de diferentes idades, a grande maioria desacordada, e máquinas e mais máquinas apitando e piscando para nós. Olhei de lado pois um barulho me distraía. Toc toc toc tac tac, insistia o barulho. Quando virei em direção a ela o barulho aumentou de frequência e percebi que a senhora fazia um esforço grande para chamar a atenção de alguém. LEMBREI DO DIA QUE O DOUTOR TINHA ME DITO QUE O PIOR DE SE ESTAR ENTUBADO E AMARRADO (para não retirar o tubo de respiração da boca) DEVERIA SER AQUELE MOMENTO EM QUE COMEÇA UMA COCEIRINHA TEIMOSA. Coçando, coçando e você não pode coçar. Caminhei rapidamente até a senhora pensando que, se fosse a tal coceirinha teimosa, eu teria que pedir autorização ao médico para tirar as amarras que a impediam de retirar o tubo orotraqueal.
Quando a senhora percebeu que me aproximava dela, abriu para mim uns tão grandes olhos marejados que eles por si só pareciam pedir desesperadamente ajuda.
- Dona Fulana, o que aconteceu? Está precisando de alguma coisa?
Os olhos cada vez mais abertos e ela tentou balbuciar algumas palavras. Não, o tubo não deixaria ela me dizer o que queria e eu fiquei preocupada em ela achar que tinha perdido a voz.
- Dona Fulana, a senhora está com um tubo na boca, está percebendo? - ela fez que sim com a cabeça, ainda me olhando aflita - Ele está ajudando a senhora respirar. Ele também dificulta a senhora a falar, mas quando a senhora ficar melhor e conseguir respirar sem o tubo, voltará a falar, não se preocupe. Agora tente falar devagar o que a senhora quer.
- Á-gua Á-gua Á-gua... - ficou repetindo para mim.
Quando voltei com a água e expliquei que ela não conseguiria tomar, mas que eu molharia uma gaze e colocaria na boca dela, ela fez um sinal afirmativo com a cabeça. Um gole de água na gaze, outro gole de água na gaze. Assim, gole após gole, os seus olhinhos iam mostrando uma expressão mais calma. Disse que tinha que me ausentar por causa da aula, mas que ficaria ali o dia todo, caso precisasse.
Então, ouvindo o caso do outro paciente, sentia ainda pesar em mim os tão grandes olhos daquela idosa, olhos que carregavam uma história e que talvez nem estivesse entendendo ao certo o que eram todas aquelas máquinas piscando e todos aqueles indivíduos de branco, olhos que me seguiram durante toda a explicação do médico...

domingo, 21 de julho de 2013

O medo do "não me importar"

Imagem retirada de asasdamemoria.blogspot.com
Era uma tarde qualquer da semana, em um ambulatório qualquer da emergência, em uma hora qualquer do dia. Havíamos atendido poucas pessoas, parecia que ninguém estava tão necessitado de atenção naquele dia. Atenção. As médicas conversavam amenidades, eu lia um romance e minha colega estudava. Entrou a ajudante para dizer que entraria a próxima paciente, seu raio-X mostrava uma "caverna" tão grande que seria muito improvável não ser tuberculose. Colocamos as máscaras e iniciamos o atendimento.
E a cada palavra a paciente dizia, nos jogava na cara sua dura realidade de más-condições de saúde, de drogas, de fome. E em mim surgiu um medo que me engolia com aquelas palavras: o medo de me tornar indiferente. Medo de ver tantas misérias e não "vê-las". Lembrei então de tantas outras atrocidades que vi ao longo desses quinze dias em um novo serviço, da população necessitada, das mãos emagrecidas segurando o copinho com sopa servido no hospital durante o atendimento, da minha preocupação pelo paciente que precisava de uma medicação que o Estado não fornecia (como ele faria?) - e eu vi o que temia.: AS VÁRIAS HISTÓRIAS QUE AINDA ESTAVAM NA MINHA CABEÇA AOS POUCOS SE IAM APAGANDO, SE ESVAINDO EM MEIO A TANTAS DOSES DE REMÉDIOS PARA DECORAR, DAS SOROLOGIAS DE HEPATITE B PARA APRENDER, DOS PROTOCOLOS QUE DEVERIAM ESTAR NA PONTA DA LÍNGUA. E ser médico não nos permite sentir?
Vieram em minha mente as dezenas de exemplos de bons profissionais, daqueles que têm décadas de experiência em atendimento e ainda se doem com o sofrimento dos seus pacientes. Então eu percebi que ser "médico" (no sentido mais profundo da palavra) me deixaria saber e sentir ainda. Saber protocolos, medicações e diagnósticos. Sentir tristeza, amor e dor. Ser "médico" me permitiria ser humana, e não um ser inatingível. E tudo dependeria de mim, daquele caminho que eu escolhesse. Assim é com todos, todas as profissões, todas as pessoas - o medo do "não me importar" poderia me manter sempre me importando. E essa é ainda a minha escolha: sentir!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Desliguem os aparelhos

Imagem retirada do blog sou-o-que-digo-e-penso.blogspot.com
Dava uma olhada na movimentação: horário de visita. Sempre me interesso em olhar essa relação de visitante-paciente. Lógico, não quero ouvir suas conversas, mas acho bonito o fato de o visitante manter o contato do paciente com o mundo externo, para além das paredes verdes daquele hospital.
De repente fora retirada do meu "transe" por uma senhora que me chamou ao leito da sua mãe. As lágrimas já haviam secado no seu rosto e faziam dois caminhos que cortavam seu rosto em pontos simétricos. Ela estava maquiada, porém seu semblante estava cansado, como o de alguém passou dias entre vindas ao hospital e idas para seu lar/trabalho. Seu tom de voz, um pouco elevado, me perguntava quem estava acompanhando o caso da mãe dela.

- Senhora, vou pegar o prontuário para identificar quem é o médico responsável por ela - eu disse.

Ela então disparou uma série de queixas que, certamente, estavam entaladas em sua garganta. Talvez ela tenha pensado em dizer isso há bastante tempo, mas lhe faltava coragem e, em meio ao desespero de ver sua mãe por tantos dias ali, em um leito hospitalar e respirando com o auxílio de aparelhos (e apenas pelo seu auxílio), ela decidiu dizer:

- Pelo amor de Deus, porque vocês não desligam logo esses aparelhos?

Lógico, ela não queria sua mãe morta: ela queria ela sem sofrimento. NÓS GERALMENTE NÃO PENSAMOS EM MORTE ATÉ DEPARARMOS ELA, MAS É IMPORTANTE QUE NOS QUESTIONEMOS QUAL SERIA O MAIS VIÁVEL, OU MENOS DOLOROSO, OU AINDA, QUAL SERIA O DESEJO DO PACIENTE SE ESTE ESTIVESSE EM CONDIÇÕES DE SE EXPRESSAR!
Depois que ela saiu, voltei ao leito e olhei a senhora já de idade bastante avançada. O que ela diria a sua filha? Talvez agradecesse pela coragem de se expressar, refletindo o que ela própria falaria. Talvez ela ficasse zangada pela mal-criação da sua "menina". O fato é que, ainda naquela tarde, depois de eu ter remoído diversas vezes as palavras que a filha havia me dito, a senhora veio a falecer, dando tempo de uma última visita da filha que sofria e dos outros familiares que sentirão falta daqueles cabelos branquinhos-branquinhos que por longos dias repousaram no lençol do hospital.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Com que sentimento me olhava?

Imagem retirada de rabiscandopoesiasrj.blogspot.com

Deu um passinho para trás quando nos viu na sala. Éramos quatro estudantes observando-o entrar. Ainda assim, ao comando do médico, ele entrou. E, por fim, disse que precisava dar uma palavrinha em particular com o médico. "Não se preocupe, Fulano, o que o senhor disser aqui é resguardado pelo sigilo médico", tranquilizou-o o doutor. O paciente olhou-nos mais uma vez, titubeou como se nossas "carinhas juvenis" não lhe dessem a segurança necessária para prosseguir, mas ainda assim sentou-se.
Aquela seria a minha primeira entrevista com um paciente soropositivo e ali estava eu, caneta a postos, estetoscópio pesando no pescoço, o jaleco esquentando... Comecei as perguntas conforme o roteiro: nome, idade, profissão. A parte que eu mais temia perguntar, por provavelmente ter pouco jeito com quilo, era sobre a sexualidade. "Pacientes HIV positivos não gostam de falar sobre como provavelmente adquiriu o vírus", pensava eu. Porém, além da minha clara ignorância em estreitar a transmissão apenas para a via sexual (e os acidentes perfuro-cortantes? E as transfusões? E...?), esta parte da entrevista foi tranquila.
Entretanto, com o passar das explanações do médico acerca da nova vida que o paciente deveria ter ("use camisinha, coma frutas e verduras, faça exercícios, venha periodicamente ao meu consultório"), SEUS OLHOS FICAVAM MAREJADOS E ELE PARECIA QUE IA CORRER A QUALQUER MOMENTO DALI. E eu já não mais falava, apenas o olhava.
Depois de todos os atendimentos, saíamos conversando alto, quatro estudantes que continuariam a vida apesar de tudo o que fora dito e discutido. Quando, de relance, vejo o paciente na porta do consultório. Ainda que passasse repetidas vezes as mão embaixo dos olhos, elas não eram rápidas o suficiente para impedir que a profusão de lágrimas rolasse. Eu definitivamente não estava em condições de consolá-lo, não tinha como eu fazer aquilo, sentia-me absolutamente despreparada. Conversei com minha amiga, que por sua vez foi conversar com ele. Quando retornou me disse "É, ele estava mesmo precisando disso!"

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Humanos como Desumanos

Imagem retirada de: voceemminhanovavida.blogspot.com
Nós nunca temos ideia do que a vida nos reserva. Assim era aquela senhora, debilitada, na maca do hospital. Já fora mãe, é verdade, mas perder um filho sempre mexe com a mulher. Nós, alunos, estávamos todos muito interessados em ouvir o que lhe acontecera, que procedimentos seriam feitos com ela e como aquilo tudo iria terminar. Ela contava cada detalhe, falava da sua primeira gravidez e como descobrira esta. Contou das dores e náuseas que sentira e do medo que tinha do seu diagnóstico. Abortamento espontâneo, o que deve passar na cabeça de uma mulher?
Ao manusear a sua pilha de exames, o médico nos contava o que havia nos exames da paciente. Ultrassom, exame de sangue, de hormônios... uma pequena lista que contava parte da história pela qual ela passou, mas nada dizia dos seus sentimentos.
Lá pelas tantas, o médico apontou-nos um laudo e disse "feto morto". Apontou-nos uma imagem do ultrassom e disse "feto morto". Apontou a história anotada por outro médico e disse "feto morto"... e nessa sucessão de palavras, olhei para a paciente e vi aquela mulher segura de sua situação chorar. Eram lágrimas abafadas, talvez pela vergonha de se despir os sentimentos ante quase uma dezena de alunos, mas eram lágrimas fortes o suficiente para lacerar meu coração. Como lidar com situações tão íntimas sem sequer se interessar pelo que se passa com o outro? E a imagem de um feto morto veio à minha mente e NÃO PUDE DEIXAR DE PERCEBER O QUANTO TEMOS LIDADO COM HUMANOS DE FORMA TÃO DESUMANA!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O que procuro

Imagem retirada de gifsdaprin.kit.net
A senhora entrou no consultório cheia de dores.

- O que trouxe a senhora aqui?
- Doutora, eu tô com dor aqui no ombro, nesse dedo, nessa panturrilha, no punho direito e cotovelo esquerdo. Tenho dor de cabeça, tenho mais isso e mais aquilo...

Colhida a história da paciente e realizado o exame físico por duas internas e eu, ficamos aguardando a doutora para discutir o caso. Um pouco mais de conversa e a paciente começou a contar as coisas que estavam agravando seu estado de saúde, a situação com o marido, a baixa auto-estima... UMA SÉRIE DE OUTROS FATORES QUE PASSAM DESPERCEBIDOS QUANDO FAZEMOS UMA CONSULTA RÁPIDA E SEM VONTADE.
De nada adiantaria prescrever os remédios sem as recomendações que se seguiriam (emagreça, coma comidas saudáveis, faça exercício), e menos ainda se não tivéssemos tido a sorte de nos aprofundar na história da doença, que também é aquilo que se sente. O BELO DE SE TRABALHAR NA ÁREA DA SAÚDE É ENTENDER QUE O SER HUMANO É MAIS DO QUE AQUILO QUE NOS FALA, MAS É TAMBÉM O QUE SENTE, O QUE DEMONSTRA, O QUE ESCONDE! Mais do que dores no corpo, ela precisava desabafar a situação de humilhação que estava passando, sentindo-se feia e não-amada.
Eu não soube o que dizer. A interna, com maestria, deu-lhe as recomendações necessárias e falou um pouco do auto-cuidado e do amor-próprio. Ali, naquele ambiente pouco acolhedor, a paciente pode chorar e receber a atenção que precisava. Ali foi feita a medicina humanizada que eu tenho procurado.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Não vi sequer seus olhos

Imagem retirada de escrevalolaescreva.blogspot.com
Estávamos todos ansiosos para o que iria acontecer: assistiríamos a nossa primeira consulta ginecológica. Quando viemos ao consultório, estávamos em bando - uma porção de alunos de jaleco branco. A paciente, que aguardava do lado de fora do consultório, viu-nos aproximando.
Ficamos discutindo como o professor sobre os procedimentos e percebemos uma movimentação lá fora. A paciente disse não queria mais fazer o exame e que iria embora. Certamente estava em seu direito e ai vem a grande dúvida que nos persegue a faculdade inteira: precisamos dos pacientes para aprender a ser médicos, mas como fazer quando estes se recusam o atendimento quando estamos?
O professor e os funcionário ficaram explicando que era necessário ela fazer o exame, resmungando que a paciente era isso ou aquilo e inquietos para resolver logo a situação. Por fim, ela concordou em fazer o exame.
Entro na sala rapidamente, preparou-se para o procedimento, deitou na maca e encobriu o rosto. Em nenhum momento vi seus olhos ou dirigi-lhe a palavra. EU NÃO SERIA CAPAZ DE DESCREVER COM PALAVRAS O CONSTRANGIMENTO QUE EU SENTIA. Ela parecia escrava a quem se impõe uma ordem e que ela realiza, mas com um ódio dos seus "senhorzinhos". Eu queria sair dali!
Estabelecer uma boa relação com o paciente, explicando os procedimentos e dando-lhe o direito de opinar é algo que transcende o que aprendemos na faculdade. Mas não é impossível de se aprender. O fato é que o paciente, principalmente estando em um local de atendimento público, pode se achar fragilizado, dando margem a alguns deslizes de quem lida com eles. Neste dia não aprendi apenas o que era uma colposcopia ou como estadiar o câncer de colo do útero, mas aprendi coisas que se deve levar para a vida: que aquele constrangimento eu não quero mais presenciar!

domingo, 28 de agosto de 2011

Alguém se doa por amor?

Imagem retirada de medispecoevou.blogspot.com/
Quando escolhi Medicina como profissão não tinha referências, nem parente médico, nem alguém que eu conhecesse para me orientar. Escolhi sem saber bem o porquê. Mas hoje... coisas em nossa vida nos mostram algumas verdades, e é essa verdade que venho compartilhar com vocês!
Quando se pensa em porque se escolhe a área da saúde para atuar, as mais variadas respostas surgem. ELE ERA ALGUÉM DE QUEM JÁ OUVI FALAR, ALIÁS ERA UMA IMAGEM MEIO UTÓPICA QUE ME PASSARAM DELE: ELE NÃO PODERIA SER TÃO BONZINHO...
Encontrei uma vez com ELE e fazia realmente jus ao que me disseram: ensinou-me o que coube àquele momento e tratou-me (mesmo estudante) com igualdade, sem prepotência.
A imagem que o médico nos passa, muitas vezes, é daquele que não pode ser contrariado, que não "se troca", que não perde um tempo de sua preciosa rotina para falar com os outros. Enganei-me. Alguns exemplos me foram apresentados ao longo da faculdade, e este está entre os que quero me espelhar. Era um plantão comum e ELE estava mais que atarefado: contatos para fazer, papeladas e cirurgias para dar seguimento. Entrou no centro cirúrgico às 14:30h e ainda às 20:20h não havia saído. Eu estava esperando do lado de fora por um amigo e quando ELE vinha, correndo para seguir para seus compromisso, foi abordado por uma acompanhante que queria algumas orientações sobre seu parente hospitalizado. Sabe o que ele fez? COMO SE NÃO HOUVESSE NADA MAIS NO MUNDO, SENTOU-SE E FICOU O TEMPO NECESSÁRIO PARA DAR TODAS AS ORIENTAÇÕES E RECOMENDAÇÕES. E aquilo incrivelmente me chamou atenção por não ser usual. Ah! Preciso dizer que era um hospital público?
Não nos é raro ver exemplos de grosserias, falta de tempo ou de paciência com aqueles que precisam dos serviços de saúde. E esse exemplo me valeu o dia. Doar-se pelo outro sempre que possível. Não deixar de viver, claro; mas atender quem necessita de ajuda, dentro das suas possibilidades!

domingo, 31 de julho de 2011

Horror na sala de operação

A monstra desnuda, 1680, de Juan Carreño de Miranda
O que de mais importante nos impulsiona para agir nas nossas vidas é o conceito que temos do que conhecemos e o preconceito que formulamos da coisas. Assim, o texto que trago hoje é uma reflexão sobre o preconceito que influencia as nossas ações também na Medicina. Recentemente foi feita uma enquete neste blog sobre como o preconceito é percebido na nossa sociedade. Eis o resultado:


Há diversos tipos de preconceito e eles influenciam diretamente em nossa forma de lidar com o paciente. A história que trago para corroborar com essa ideia é a que presenciei em uma sala de operação. A paciente já tinha sofrido por horas devido as perfurações por bala em um assalto, foi colocada para dentro da sala. No momento de mobiliza-la de uma maca para outra, começaram as piadinhas, inicialmente baixas, trocas de olhares, risinhos. A paciente era uma moça, jovem e acima do peso. Foi feita a anestesia. Ao ser perguntado sobre como foi feita a sedação, o anestesista disse que havia usado X doses do sedativo. O seu colega caiu na gargalhada, perguntando porque a dose foi tão alta, ao que ele respondeu "Também, um bujãozinho desses, tinha que ser uma dose alta mesmo!". Durante o procedimento, os cirurgiões faziam comentários sarcásticos sobre a gordura da paciente e coisas do tipo. Logicamente ela não estava escutando, mas essa cena me fez lembrar de uma aula sobre espiritualidade que eu assisti, que a professora defendia que os pacientes podem sofrer traumas mesmo durante a anestesia, pois suas almas estariam lá naquele momento. Independente do que eu creio, ou não, o fato é que o que eu vi demonstra o total desrespeito de uma classe que deveria prezar pela igualdade de todos, sem menosprezar ninguém.
Os preconceitos que eu já pude presenciar não foram só contra pessoas acima do peso, mas contra pobres, interioranos e outros grupos de pessoas, PRÉ-ROTULADAS SEM QUE O CRITÉRIO DE "SELEÇÃO SEJA CLARO, BASEADO APENAS NA IGNORÂNCIA HUMANA. E, como sabemos, o preconceito não está só na área da saúde, mas em todos os lugares. Pessoas espancadas por intolerância, pessoas alijadas da sociedade por idiotice. Lutar contra isso depende do individual e do coletivo. Comecemos por onde podemos alcançar: o nosso próprio quintal!

terça-feira, 19 de julho de 2011

Série Sentimento: Pacientes Ensinam a Preocupação

Imagem retirada do blog maepreocupada.blogspot.com
Estava dando uma olhadinha em uns blogs na rede, e deparei um que falava especificamente sobre um sentimento que nos acomapanha diariamente... a preocupação. Preocupar-se é realmente ocupar previamente seu tempo com pensamentos e cuidados de algo que pode acontecer. Em uma frase de Haddon W. Robinson diz-se: "O que te preocupa, te domina"... isso pode enlouquecer alguém. Mas há vezes que é inevitável, daí vem o sentido de eu mencionar o blog maepreocupada.blogspot.com/ : lembrou-me a preocupação de uma mãe naquilo que observo nos hospitais...

Houve um certo "reboliço" quando aquele jovem entrou na sala. Havia sido espancado por assaltantes que levaram algumas roupas dele (as que ele trazia em uma sacola e no corpo!) e o rapaz foi encontrado inconsciente. Ele estava muito apreensivo, mas, naquele momento, já falava conosco o suficiente para chamar por sua mãe.
Pouco tempo depois, aproximou-se aquela senhora. Mulher forte, já madura, entrou trazendo em seu semblante toda uma preocupação estampada. COMO DESCREVER OS TRAÇOS DO ROSTO DE UMA MÃE QUE VÊ SEU FILHO ESPANCADO IMPUNEMENTE?! Se pudessem ser resumidos a uma palavra, talvez eu escolhesse "desespero".
Feito o atendimento inicial, deixamos que mãe e filho conversassem. Ela queria saber se ele havia reagido ao que ouviu um: "mãe, eles levaram a roupa novinha, que eu acabei de ganhar!". Aquilo me surpreendeu e provavelmente à mãe também. Visivelmente incrédula com o que ele disse, ela falou que ele não deveria ligar para isso, era apenas bem material; que agradecesse, contudo, por estar vivo e sendo atendido...
Mães: estas são o que melhor traduzem o termo preocupação. Em outros plantões, presenciei também essa intensidade de sentimento (como no texto O Grande Amor) e deixo, por fim, uma reflexão aos profissionais de saúde, para que a gente aprenda a lidar com esse forte sentimento, que nos mortifica (a todos) aos poucos:
"Normalmente os homens preocupam-se mais com aquilo que não podem ver que com aquilo que podem" Júlio César, Imperador Romano

terça-feira, 28 de junho de 2011

Série Sentimentos: Pacientes Ensinam o Amor


Como os propósitos centrais desse blog é relatar o que tenho aprendido com os pacientes e repassar a vocês essas experiências, aqui vai mais um texto das belas coisas que vejo em meio a uma "saúde humana" que está em crise...
O plantão começara cedo. Diferentemente dos demais plantões, este foi durante o dia, então os casos vistos na Emergência são outros. Assim, lá pelas tantas da tarde, entra na sala uma família que trazia uma senhora. Esta apresentava problemas de saúde e estava debilitada. O médico indicou a cirurgia ao passo que emendou dizendo que ERA UMA CIRURGIA DE GRANDE RISCO DE MORTE, SENDO A ÚNICA TERAPIA DISPONÍVEL PARA O CASO.
Essa notícia assim, dada "na lata", sem meias palavras me comoveu não somente pela gravidade da questão, mas principalmente pelas figuras humanas que ali se apresentavam...
Era um casal de meia idade, juntos por quase toda a vida. Ela, acamada e frágil, há tanto tempo com a aliança que esta teimava em sair do dedo (para que ela subisse ao centro cirúrgico era necessário retirar tudo!). Ele, fala leve e amorosa, falava que tudo ia dar certo e lhe acariciava os cabelos. Não sei de suas vidas fora dali, mas aquela simples imagem mostrou-me que OS PACIENTES NOS ENSINAM MUITAS COISAS - OU AS JOGAM EM NOSSAS CARAS, ASSIM, ESCANCARADAMENTE. Estes? Estes me ensinaram o amor, o longo amor que os anos vêm passar.

sábado, 25 de junho de 2011

Não há só o seu mundo

Imagem retirada de http://downloads.open4group.com
Esses dias tive uma aula interessante que, apesar de não ter tido contato com pacientes, me esclareceu algumas verdades que teimo em esquecer.
Era uma aula de campo sobre a História da Medicina e fomos visitar uma famosa instituição da cidade: Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, completando (em 2011) seus 150 anos. Não chegamos a entrar, mas nos foram discorridas as situações que ocorreram ali durante sua longa história e as riquezas de seus arredores, onde se localiza uma importante praça da cidade - o Passeio Público. Ao passo que o professor contava que a Santa Casa fora construída de frente para o mar (que, como acreditavam, sanaria as impurezas do ambiente levando-as para longe), me peguei refletindo A NOSSA PEQUENEZ ANTE A GRANDEZA QUE É A VIDA. OU MELHOR, AS VIDAS! Assim, ficou-me muito claro naquele instante que tratamos pessoas, e não suas doenças. Sacal? Talvez! Mas nem por isso deixa de ser verdadeiro.
Costumamos, enquanto estudantes e/ou profissionais da saúde, ver nossos locais de trabalho e seus frequentadores como salas desarrumadas e máquinas quebradas, nesta ordem. Esquecemos, porém, que suas vidas não são aquelas doenças e que o que importa não é somente aquele momento. A Santa Casa completa 150 anos e quantas histórias fizeram-na chegar ao que é! Quantas pessoas não olharam por suas janelas, vislumbrando o mar e desejando apenas que aquela fase de doença passasse para cuidar do filho, ralhar o marido, sorrir com os amigos...
SOMOS SERES COMPLETOS, MULTI-FACETADOS. MAS NÃO SOMOS O CENTRO DO UNIVERSO. SOMOS UM PEDAÇO DESTE. Apenas nossa arrogância não nos permite conviver bem com essa verdade!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

"Dá vontade de largar tudo"

Pintura: "Plites, Son of Priam,
Observes the Movements of the Greeks",
de Hippolyte Flandrin, 1834
Quem costuma refletir sua própria "atuação" na vida? Saber se está agindo bem, se está feliz, se fez as escolhas certas...? Não falo de crise existencial, porque não precisamos disso para pensar na vida; falo de reconhecer os erros e acertos e, mais que isso, tentar melhorar.
Esses dias, em uma dessas aulas que nos força a pensar em nossas ações, ouvi de um(a) doutor(a) os seguintes dizeres: "Fiquei a semana toda mal, pensando não só no que havia acontecido, na família, naquela mãe... se eu tivesse condições (financeiras), EU TINHA LARGADO TUDO, TINHA ME APOSENTADO". Ele(a) estava narrando algo que ocorrera na sua prática médica e que lhe custou horas de reflexão e angústia.
Engraçado, não é tão fácil - como eu pensava - reconhecer onde está aquele "escorregão" da gente. E mais difícil ainda é quando a gente percebe que fomos negligentes, grosseiro, egoístas... Quando eu ouvi esse relato, eu percebi duas coisas: primeiro, é grave quando se avança muito na vida sem parar para pensar se é realmente por ali que você quer ir; segundo, quando se "chega lá", nem sempre resolvemos qual será o próximo passo.
Para finalizar, hoje conheci uma bela frase que resume muito de qual esse "caminho certo" que passamos a vida procurando:
"Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura" Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa
Então, o que posso dizer sobre esse "caminho certo"? A RESPOSTA É AMAR O QUE VOCÊ ESCOLHER!



sexta-feira, 20 de maio de 2011

Eu tenho mais o que fazer!


Como eu sempre digo, esse não é um blog para falar mal disso ou daquilo, mas para relatar o que vejo e sinto em visitas a hospitais, postos de saúde, etc, etc. Logicamente, cada pessoa faz sua própria crítica daquilo que escrevo. Hoje trarei mais uma das histórias dos plantões da vida, que me chocou não pelo motivo que levou ao médico agir assim, mas sim a forma como ele o fez... Afinal, quem nunca ficou rezando para que acabasse seu expediente/aula que atire a primeira pedra!
Noite agitada de plantão e a sala lotada de estudantes -  da graduação e médicos-residentes. Chegou um homem ferido na cabeça e logo surgiu a dúvida de para qual especialidade ele seria encaminhado: pequenas-cirurgias ou cirurgia plástica?! O fato é que o ferimento iniciava-se no couro cabeludo e tinha outros cortes profundos na face, de modo que a metade superior da "cara" dele desceu sobre a metade inferior. Obviamente ele sentia muita dor e queria a todo tempo levantar essa parte que descia sobre seu olho.
Fui chamar o médico para que avaliasse o paciente. Quando ele viu o estado do paciente, olhou imediatamente para o relógio (COMO SE TIVESSE COM POUCO TEMPO - MAS AINDA FALTAVAM DEZ HORAS PARA TERMINAR O PLANTÃO DELE!) e soltou um p*ta merd* bem alto. Além disso, enquanto fazia o procedimento, fazia questão de deixar claro para o paciente que queria terminar logo e brigava com ele a todo momento por querer levantar a metade da sua face.
Claro que situações de emergência/urgência são mais que especiais: os médicos estão a "todo gás" e precisam agir com certa rapidez. Mas o que eu quero deixar de mensagem são duas coisinhas:

  1. O paciente não tem culpa por ter metade da sua "cara" caída e de estar sentindo dor, logo ele não deve ser um despejo de arrogância nossa.
  2. Nós (e eu me incluo nesse "nós") temos a mania de querer "acochambrar" nossas atividades e ter mais tempo livre. Porém, dentre as nossas responsabilidades, cumprir o plantão com qualidade é algo essencial. 

Um pouco de bom senso nunca é demais!

sábado, 14 de maio de 2011

Benefício para o outro...

Imagem de noticias.r7.com
Bem, essa semana eu tive uma grande lição que preciso compartilhar com vocês. Às vezes eu fico falando das agruras que presencio nos corredores e enfermarias de hospitais pela cidade e, quando tenho algo bom para contar, corro para falar aqui...
Sabe aqueles médicos que todos admiram pelo domínio que tem em determinada área... Eu acompanhava a aula de um desses mestres; estávamos em uma enfermaria e começávamos a conversar com uma paciente que ele havia operado a algum tempo. Ela ainda estava com sonda nasoenteral (dispositivo que permite que o alimento entre no intestino sem passar pelo caminho boca-esôfago-estômago, caindo direto no intestino), que é algo incômodo, mas essencial em seu pós-operatório. A paciente estava a dias sem beber ou mastigar algo, sendo suprida apenas por aquilo que passava pela sonda. VOCÊ JÁ IMAGINOU FICAR PELO MENOS UMA SEMANA SEM SENTIR A ÁGUA DESCENDO "GOELA A BAIXO" OU SEM TER A PERCEPÇÃO DOS SABORES DAQUILO QUE LHE ESTÁ ALIMENTANDO?!
O doutor virou-se para a paciente e perguntou o que ela mais queria nesse momento. Após algumas respostas, ela disse que era beber um copo d'água bem gelada. Foi então que aprendi mais uma lição que pretendo carregar para a vida: um homem formado em vida e na profissão falou a seus alunos que uma das coisas que mais lhe dava prazer na profissão era o momento de retirar a sonda do paciente e lhe oferecer o primeiro copo d'água... São esses pequenos gestos que tornam mais apaixonante as profissões que lidam com pessoas, pessoas que sentem e vivem singularmente...

terça-feira, 3 de maio de 2011

Entre ser passional e ser racional...

Foto retirada de comentada.blogspot.com
Claro que nunca podemos separar totalmente a razão e os nossos sentimentos; eles precisariam trabalhar juntos! Mas é muito, muito difícil saber em que pontos eles se tocam, e em que ponto eles devem se dissociar...

Entro na sala de emergência e lá está a paciente, deitada na maca. Ela estava falando com o doutor, chorando e com um corte recente para ser suturado. Bem, cena comum nos plantões. Mas ela estava chorando não somente pela dor que sentia; ela falou que tinha muito medo de agulhas e começou a chorar muito, antes mesmo de ser feita a anestesia.
ENTÃO VEIO O DILEMA: COMO EU PODERIA CONFORTAR A PACIENTE SEM ULTRAPASSAR A BARREIRA QUE OS LIVROS DE SEMIOLOGIA COLOCAM NA NOSSA FRENTE?!
Não esperei muito para tomar minha decisão, me aproximei da paciente e comecei a distraí-la... "Quantos filhos? Quantos netos!?", mas claro que ela percebeu o que eu estava tentando fazer, e isso só aumentou mais a tensão dela!
Aproximei-me de sua maca e ignorando os "ditames da praxe médica" segurei a mão dela e disse que ela não precisava ter medo e que estávamos ali para resolver o problema dela. Perguntei como começou esse medo de agulhas e tentei mostrar para ela que a prática médica não precisa ser fria e ignorar os temores dos pacientes. Não olhei para o doutor, não queria sentir o peso da reprovação, mas sai do plantão naquele dia um pouco mais feliz por ter feito algo real por alguém que precisava não somente de uns pontinhos, mas de uma pitada extra de compreensão...

sábado, 16 de abril de 2011

"Eu e minha boca!!!"

Foto retirada de lady-bird---uma-joaninha-maluka.blogspot.com
É importante que tenhamos sempre cuidado com o que dizemos às pessoas, e isso se faz bastante presente nas profissões da área da saúde. Assim, o caso de hoje vem ilustrar essa verdade.
Em uma atividade desenvolvida na faculdade de Medicina, estava conversando com uma senhora sobre a prevenção de doenças e a importância de procurar um profissional competente para detectar as doenças. Ela me narrou então sua história: há algum tempo (quase vinte anos atrás) ela procurou um médico com queixas respiratórias. Feitos alguns exames, ela foi diagnosticada com câncer. ELA DISSE QUE FOI UMA FASE MUITO DIFÍCIL E QUE ELA CHORAVA INCONTROLAVELMENTE. Após mais alguns exames, o médico disse-lhe que, na verdade, não se tratava de câncer, mas de uma "inflamação" nos pulmões por conta do cigarro.
O fato é que, depois de todo esse sofrimento e apreensão, a paciente desenvolveu uma síndrome psiquiátrica grave, a síndrome do pânico, e, POR CONTA DISSO, FAZ TRATAMENTO MEDICAMENTOSO ATÉ HOJE, VINTE ANOS DEPOIS.
Isso é uma dica para que não esqueçamos a importância do que a gente fala. Outra curta história que ilustra isso ocorreu em uma aula em que o paciente veio procurar o doutor para perguntar como ele ficaria, e o doutor disse-lhe "É... SUA DOENÇA NÃO TEM CURA MAIS NÃO"... Cuidado com o que falamos e, principalmente, como falamos...

terça-feira, 5 de abril de 2011

Sair do meu mundinho...

Fonte: eloizanetti.com.br
Acredito que, a partir desse post, haverá mudanças no blog. É que agora falarei novas experiências e uma nova realidade: estou conhecendo a fundo o atendimento no hospital público, do lado de lá (no atendimento)! Para iniciar essa fase, farei uma breve introspecção.
Hoje, durante meu primeiro plantão, levei um choque ao ser arrastada para fora do meu mundinho. Eu nunca fui uma pessoa cheia de posses e pego ônibus como muitos o fazem, todos os dias "de madrugada"... mas, ao ver o que acontece na madrugada de um hospital público, eu vi o quanto eu era alienada, ESCUSA NO MEU DIA-A-DIA DE LIVROS, CASA E FACULDADE. Uma dezena de caso - que eu terei a oportunidade de narrá-los - me choviam como água, mas isso nem um pouco me alegrou. Isso só me fez perceber que nós precisamos cada vez mais deixar de ser tão esnobes e notar que tem uma realidade crua acontecendo por ai.

Para completar o post de hoje, vou falar de algo que ficou martelando na minha cabeça bem antes de eu entrar no plantão. Uma amiga me escreveu uma mensagem dizendo que EU IA PERCEBER QUE A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE NÃO É UM CONTO DE FADAS NAS EMERGÊNCIAS. Então, tarde na "noite" [01:20h] tive o insight que eu estava esperando: outra amiga, que estava no plantão, fazendo uma sutura em um paciente que tinha trauma de agulhas (sic), tratou o paciente com toda a calma, explicando o procedimento e falando sobre a anestesia... ela mostrou-me a medida de atenção em emergência que eu quero ter - rápida sim, mas sem esquecer que estamos lidando com pessoas...

quarta-feira, 23 de março de 2011

Ele é especial

Fonte: crisete.bebeblog.com.br
 Uma mãe chorando na nossa frente e pedindo para não mais falar nesse assunto... essa foi a cena que marcou meu dia hoje. No atendimento de uma criança com síndrome de Down, o segundo paciente pediátrico da minha vida acadêmica, a mãe relatava a maneira "sórdida" como ela foi tratada quando do diagnóstico do seu bebê:
"Eu estava no quarto 'ai' me entregaram uma folha que estava dizendo que ele [o bebê] tinha síndrome de Down ... 'ai' a (...) me disse que meu filho era especial"
 Como é que um diagnóstico desses é dado dessa forma, sem explicações, sem uma orientação sequer. Em pleno o século XXI! A mãe, chorando, DIZIA QUE NÃO QUERIA MAIS FALAR NESSE ASSUNTO. De fato, foi bastante traumático. O pequenininho em seus braços olhava a todos e fazia "bruuuuuuu" com a boca e nos olhava com os olhos tão arregalados de curiosidade. NÃO SABE - AINDA - DA IGNORÂNCIA DO MUNDO, DA FALTA DE INFORMAÇÃO E DO PRECONCEITO QUE APENAS NOS ATRASA.
Agora, dez meses após o nascimento do bebê e ainda com as marcas daquele dia triste, em que se viu sozinha em um leito de hospital do interior, a mãe nos conta como alimenta seu filho e como o prepara em seu crescimento, tão segura de si mesma que quem chegasse naquela hora poderia pensar que o nosso sistema de saúde não tem ranhuras, às vezes, marcas da nossa negligência.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

"Olho para você, mas não te vejo..."

Imagem retirada de dentalgn.com
Nós estamos sempre sendo observados, analisados e julgados... pelos pacientes. Eles têm a curiosidade de saber se somos bons profissionais, se não vamos machucá-los, se estamos de mau-humor, se..., se..., se...
Esses dias fui surpreendida por alguém que me observava na enfermaria de um grande hospital. Eu estava procurando o professor e parei um segundo para vestir o jaleco. Displicentemente, coloquei minha bolsa e livros sobre uma bancada e me virei. Uma senhora, que passava no corredor, cruzou "a vista" comigo e involuntariamente eu lhe sorri. Sorri e continuei o processo de vestir o jaleco.
De repente, aquela senhora parou e pediu-me licença para falar:

Pois não?
É que, desculpe estar falando isso com você, mas é que EU FICO MUITO FELIZ QUANDO ALGUÉM QUE PASSA POR MIM ME DÁ UM SORRISO. Tem gente que passa e parece que nem vê a gente!
Parece que têm um "rei na barriga", né?
É, é só isso, com licença.

Aquilo ficou martelando na minha cabeça. Desde quando aquela senhora estava no hospital? E mais: quantas vezes havia passado por vários e vários estudantes/médicos, e eles não teriam percebido sua presença?!
Não sou a simpatia em pessoa, minha timidez beira inclusive a antipatia, talvez por isso esse fato tenha me tocado tanto. Porém, em um ambiente em que as pessoas pedem um pouco de atenção às suas vidas, MUITOS DE NÓS AGEM COMO PEQUENOS DEUSES NA TERRA. Como se uma "apoteose" (transformação em deus) ocorresse quando entrássemos para a faculdade. Certa vez, ouvi a seguinte frase (e peço desculpas por minha falha memória não me permitir citar o autor): "Quando uma pessoa faz Medicina ela acha que é Deus... quando ela se forma, ela passa a ter certeza disso!". Não sejamos assim! Isso não é digno para o ser humano, menosprezar os demais por julgar-se mais.
Depois encontrei a mesma senhora, ela estava acompanhando o marido doente. E, ao revê-la, me veio a mesma sensação que me acompanha desde o primeiro dia que eu entrei naquela enfermaria: os pacientes têm sempre muito a nos ensinar!