quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Fiapinhos que se vão!

Imagem retirada de gommo.com.br
Ela entrou no consultório. Cabelo feito, boca pintada, vestido limpo, agitada. Estava visivelmente nervosa e contava-nos o que lhe havia acontecido. Eventos tristes, cenas que se repetiam nas noites em claro. Segurava um terço nas mãos que rodava, rodava. As unhas não estavam pintadas, mas eram bem cuidadas. Nos falava das dores que sentia na alma e na falta de vontade que tinha na vida. FALAVA DA VONTADE DE MATAR E NO DESEJO DE MORRER! Disse o quanto era dependente da medicação para dormir e o que faria para tê-la.
Das doenças que a Medicina trata, as "da alma" são as mais penosas. Penosas porque escondem o que realmente se passa com aquela pessoa e porque é mais difícil para o médico saber como o paciente sofre. Quando uma pessoa nos diz "tenho uma dor na barriga" vários diagnósticos e várias medicações passam nas nossas cabeças, mas quando dói ali dentro da cabeça (e que machuca no coração!) é bem diferente.
Fiquei pensando o que passava aquela mulher que nos dizia não ter mais plano nenhum para o futuro. E no que ela pensou enquanto falávamos que ela devia animar-se, procurar fazer alguma atividade física, conversar com o psicólogo... Talvez ela se risse pensando: eles devem estar brincando; será que não ouviram que eu disse que não tenho planos para o futuro? Ou talvez ela chorasse, e ESSAS LÁGRIMAS ERAM OS FIAPINHOS DE ESPERANÇA QUE ELA DEPOSITOU NA GENTE. "Ingênuos! Palavras não curam dor da alma."

Homens: todos iguais?

Imagem retirada de noticias.r7.com
Hoje eu fiquei inesperadamente feliz. Feliz porque algo que eu não esperava aconteceu. Todos sabem que homem se cuida menos, vai menos ao médico, pensa menos em seu corpo. Geralmente, digo!
Acompanhando um serviço público, iniciaram-se os atendimentos. E tivemos a oportunidade de atender algumas mulheres... e alguns homens! Preocupados com o coração, com as artérias, com a cabeça. Homens que estavam faltando trabalho, deixando algumas horas de sono de lado, esperando em uma fila enorme de posto! Foi muito bom saber que há uma possibilidade de mudar a tão batida frase de que HOMEM NÃO VAI A MÉDICO!
Um deles me chamou atenção por estar lá para cuidar da pele. Estava com um problema que há algum tempo o constrangia e procurou o atendimento médico. Conversou sobre suas atividades e perguntou como aguentávamos as aulas de anatomia, que ele não conseguiria, "médicos são frios". Eu ri disto. Falar francamente da nossa frieza foi singular em um dia de tantos "mesmos atendimentos". Porém mais singular ainda foi poder perceber que homem não procura médico só porque sente dor, como tenho escutado desde que comecei a estudar Medicina. Aliás, desde que comecei a entender o que é um atendimento médico...

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Quanta dor ela aguenta?

Imagem retirada de: bbel.uol.com.br
Quanto dói uma pancada? E a vergonha de tê-la aguentado calada? Qual a dor de estar acompanhada por um homem que não lhe respeita, que lhe trata com desprezo e que lhe tortura? Quanta dor aguenta uma mulher?


Entrou acompanhada da irmã. Parecia envergonhada por ter que responder mais uma vez à fatídica pergunta: como foi que aconteceu isso com a senhora? Havia pouco mais de cinco pessoas na sala, excetuando-se paciente e acompanhante, e, antes que aquela respondesse, a acompanhante antecipou-se: FOI O MARIDO DELA, EU JÁ DISSE 'PRA' ELA DAR PARTE DELE, MAS ELA NÃO DÁ! Ao que a paciente respondeu, "Ai, 'Fulana', tá bom, para com isso!".
Ela reclamava de dores na cabeça (onde ele havia esmurrado) e tinha cortes próximo aos olhos. A acompanhante havia dito que não era a primeira vez que isso havia acontecido e que ela "só podia era gostar de apanhar" porque não tomara nenhuma atitude!
O médico começou a atendê-la ao passo que lhe dava lições de moral, do tipo "Largue esse homem" ou ainda "Denuncie na polícia"...
Eu fiquei ali, assistindo ao procedimento e imaginando o que se passava com aquela mulher. E me veio a mente histórias que eu conhecia de mulheres que eram diariamente subjugadas e não tinham opção de simplesmente "deixar seus maridos". Não é fácil! Não é assim como a mídia às vezes pinta, jogar tudo para o alto e seguir a vida. MAS O PRIMEIRO PASSO É NECESSÁRIO, E ESTE É CERTAMENTE O MAIS DIFÍCIL! Das mulheres que eu acompanhei nos plantões, todas tinham as mesmas características: vergonha do que passavam e dificuldade de tomar alguma atitude. Fica claro, então, que não se trata apenas de uma questão de escolha, mas também de ter como se sustentar, de ter quem lhe apóie nessa decisão, de saber que há vida diferente daquela realidade. As mulheres que apanham (ou que são submetidas a outras humilhações) não permanecem nessa situação por livre escolha, mas porque sentem-se fragilizadas para tomar um posicionamento. E é doloroso olhá-las naquela situação!

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Não joguem a primeira pedra! Aliás, pedra nenhuma!

Imagem retirada de lealdadefeminina.blogspot.com
Interessante como estudar na área da saúde tem me permitido, cada vez mais, perceber e entender algumas situações humanas em que antes eu nem pensava. Como entender a vergonha que uma mãe tem da filha?
Estávamos em mais um atendimento quando entrou aquela dupla: mãe e filha, esta bem cuidada e aparentemente saudável e aquela, arrumada e maquiada. Quando começou a contar sua história, olhei para a pequenina e procurei algum sinal do que ela narrara: a criança havia nascido com o sistema digestivo incompleto, sendo necessário fazer um desvio do trajeto natural das fezes, que passariam a sair por um "buraquinho" feito por cirurgia na "barriga". A cirurgia já havia sido feita desde que ela nascera.
A criança nos olhava, estava calma no colo da mãe. Perguntei sobre a idade dela e já estava em idade escolar. AO PERGUNTAR O PORQUÊ DE NÃO LEVAR A CRIANÇA À ESCOLA, A MÃE RESPONDEU QUE NÃO SABIA COMO CONTAR AQUILO ÀS PESSOAS NA ESCOLA. Nossa! Passou-me pela cabeça tudo o que os nossos responsáveis fazem para nos proteger, mas proteger de quê? Do que as pessoas vão dizer? Do que você vai ter que enfrentar? Proteger de quê?!
Aquela mulher estava preocupada e envergonhada. Como ela faria para enfrentar um sociedade que não se preocupa apenas com a sua vida, mas se interessa pelos problemas dos outros, repassa-os, critica-os. Imaginei os pensamentos sofríveis que aquela mãe tinha ao pensar em expor a sua filha daquela maneira, avisar para professores e diretor do problema dela e compartilhar de sua realidade com outras pessoas. A mãe ainda disse que morava em uma cidade pequena e que tinha inclusive pessoas na família que não sabia disto!
Não cabe a ninguém criticar a atitude da mãe, mas eu tentei entender os motivos que lhe fizeram tomar tal atitude. Aconselhei-a a pensar mais sobre colocar sua filha na escola, para que ela não ficasse tão atrasada nos estudos, porém reconheço que não é somente um conselho que vai mudar a vida daquela mulher. EM UMA SOCIEDADE EM QUE NÃO SE PERMITE SER "DIFERENTE", NÃO É NADA FÁCIL QUE OS "DIFERENTES" SE ACEITEM COMO SÃO!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Humanos como Desumanos

Imagem retirada de: voceemminhanovavida.blogspot.com
Nós nunca temos ideia do que a vida nos reserva. Assim era aquela senhora, debilitada, na maca do hospital. Já fora mãe, é verdade, mas perder um filho sempre mexe com a mulher. Nós, alunos, estávamos todos muito interessados em ouvir o que lhe acontecera, que procedimentos seriam feitos com ela e como aquilo tudo iria terminar. Ela contava cada detalhe, falava da sua primeira gravidez e como descobrira esta. Contou das dores e náuseas que sentira e do medo que tinha do seu diagnóstico. Abortamento espontâneo, o que deve passar na cabeça de uma mulher?
Ao manusear a sua pilha de exames, o médico nos contava o que havia nos exames da paciente. Ultrassom, exame de sangue, de hormônios... uma pequena lista que contava parte da história pela qual ela passou, mas nada dizia dos seus sentimentos.
Lá pelas tantas, o médico apontou-nos um laudo e disse "feto morto". Apontou-nos uma imagem do ultrassom e disse "feto morto". Apontou a história anotada por outro médico e disse "feto morto"... e nessa sucessão de palavras, olhei para a paciente e vi aquela mulher segura de sua situação chorar. Eram lágrimas abafadas, talvez pela vergonha de se despir os sentimentos ante quase uma dezena de alunos, mas eram lágrimas fortes o suficiente para lacerar meu coração. Como lidar com situações tão íntimas sem sequer se interessar pelo que se passa com o outro? E a imagem de um feto morto veio à minha mente e NÃO PUDE DEIXAR DE PERCEBER O QUANTO TEMOS LIDADO COM HUMANOS DE FORMA TÃO DESUMANA!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Como não gostar...?

Imagem retirada de: planetaeducacao.com.br
Timidamente começou a cantar. As palavras saiam dela e ganhavam o silêncio da sala cheia de olhos que a olhavam. Quando eu penso que a medicina não vai mais me surpreender, acontece dessas. Ela cantava um "arco-íris" que lhe tirava daquele mundo e a transportava para um lugar...
"Um dia eu quis subir numa estrela e acordar bem longe numa nuvem"...
 Quando a menina acanhada entrou, não pensava que ela iria cooperar com a consulta. Muito calada, vinha sendo trazida pelos pais. Depois, as história que eu ouvi não condiziam com aquela "criança":  uma moça que sofrera desde criança e que teve uma vida intensa, estudou, brincou, bateu, riu, chorou... O professor disse, de outras consultas, que gostava de quando ela cantava e que conversava com os alunos. Ela nos olhou, hesitou e, por fim, concordou em nos dar essa "palhinha", e esse presente para mim!
Os pais (acredite, nos tempos de hoje, pais irem juntos a uma consulta é muito raro) tinham-lhe um amor inenarrável. Eram prova de que é possível crer em um sentimento verdadeiro e crer na família como unidade.
De repente, olhou para o pai e disse, em bom tom: "Pai, te amo". E para a mãe: "Mãe, te amo". Disse ainda que não sabia porque as pessoas não queriam conversar com ela, já que todos somos irmãos, e aquilo me doeu. Temos tanto preconceito em nossos olhos que ele nos envenena as ações.
Depois ela foi-se, com toda a sua história e toda a sua voz... e eu fiquei com mais esse aprendizado: O AMOR NÃO TEM SANIDADE OU INSANIDADE. ELE APENAS É AMOR!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Olhos de pessoa tímida e irritada

Imagem retirada de: roselymsilveira.blogspot.com
Ela entrou cheia de tralhas e visivelmente incomodada. Trazia seus filhos e o marido à tiracolo e nos olhava de lado, respondendo secamente ao que era perguntado. Aquela situação incomodou a todos os seis estudantes, mas apenas continuamos o atendimento.

- Fulano nasceu com quantos quilos? E Sicrano?
- O parto foi normal?
- Como você dá banho neles, mãezinha?

Ela respondia a um e outro com uma propriedade de sua situação impressionante. Conhecia todos os detalhes de seus filhos e aparentava um zelo extremista. Lá pelas tantas, ao ser inquerida o porquê de tomar determinada atitude em relação aos filhos ela simplesmente respondeu "Faço assim porque eu quero!".
Quando a professora entrou na sala, A PACIENTE OLHOU-A E DISSE "MAIS GENTE PRA ASSISTIR!?". A professora falou que era necessário, explicou a situação, dizendo tratar-se de um hospital universitário, etc, etc. Continuou conversando com ela ao passo que nos veio a revelação que mudou completamente o ponto de vista sobre as atitudes desta senhora. Tratava-se de uma paciente com possível diagnóstico de AIDS e que temia pela saúde dos seus filhos.
Tudo passou a fazer sentido e nós, como humanos, pecamos por julgar antes de entender. Após o atendimento, quando ficamos apenas professora e alunos, aquela nos disse da primeira impressão negativa e como ela havia se enfurecido pela postura hostil da paciente; e que agora ela reconhecia também seu erro em julgar precipitadamente. É muito mais fácil para todos incomodar-se com a "grosseria" sem no entanto procurar motivos para isso. Essa é mais uma lição que me vai ficar: ESTAMOS CONFORTÁVEIS EM NOSSO MUNDO, MAS AS PESSOAS QUE CHEGAM A NÓS TÊM SUAS VIDAS E SEUS SOFRIMENTOS.

domingo, 16 de outubro de 2011

Será que eu tenho essa força?

Imagem retirada de: vivamaisunicamp.wordpress.com
Em uma das aulas, dessas que nunca são rotineiras, tive uma experiência que pretendo não esquecer. Primeiro porque a gente nunca espera que as pessoas tratem seus problemas tão abertamente entre tantos outros desconhecidos (nós, estudantes!). Segundo, porque as lições que tive naquele dia foram inesquecíveis!
Ouvíamos o relato de pacientes que tiveram suas vidas divididas com o alcoolismo. Divididas porque anestesiar-se com a droga não é viver, é algo paralelo a isso. Eles haviam usados outras drogas, perdido oportunidades e família. Eles estavam lutando para conseguir se firmar na vida, tentando reconquistar a confiança dos entes e voltar à sociedade.
Um deles, pessoa estudada e de fala fluente, me chamou atenção. Não por causa dessas características, mas pela forma como abriu-nos seu problema. A situação era simples: ele era uma pessoa viciada, que usava medicações para não deslizar de novo e que queria se firmar na vida, apesar de saber que o tempo que ele perdeu não voltará! Mas quando o professor falou da necessidade que ele tinha de lutar contra as drogas, ele falou-nos com uma voz que não vinha da garganta, mas do fundo de seu coração já machucado demais pelas circunstâncias da vida: Será que eu tenho essa força?
Em outro momento, ele disse algo que eu tento incutir na mente, mas isso não é nada fácil. Disse que RESOLVER O PROBLEMA DOS OUTROS É FÁCIL, DIFÍCIL É RESOLVER OS NOSSOS PRÓPRIOS PROBLEMAS e disse que essa era uma oportunidade única de aprendermos antes de por em prática e cobrarem da gente a cura de pessoas com ele.
O interessante é que na nossa posição de observadores das ações dos pacientes, diversas vezes esquecemos de fazer essa auto-análise. E QUEM QUER ENXERGAR SEUS PRÓPRIOS DEFEITOS, SUAS FRAQUEZAS E FALHAS? Sempre fui relutante quanto a diversos aspectos da psiquiatria, e quem me conhece sabe que isso é de muito tempo. Mas devo reconhecer a importância de nos conhecermos, de buscar respostas para o que nos aflige e de ajudar os que sofrem a dor da alma!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O que procuro

Imagem retirada de gifsdaprin.kit.net
A senhora entrou no consultório cheia de dores.

- O que trouxe a senhora aqui?
- Doutora, eu tô com dor aqui no ombro, nesse dedo, nessa panturrilha, no punho direito e cotovelo esquerdo. Tenho dor de cabeça, tenho mais isso e mais aquilo...

Colhida a história da paciente e realizado o exame físico por duas internas e eu, ficamos aguardando a doutora para discutir o caso. Um pouco mais de conversa e a paciente começou a contar as coisas que estavam agravando seu estado de saúde, a situação com o marido, a baixa auto-estima... UMA SÉRIE DE OUTROS FATORES QUE PASSAM DESPERCEBIDOS QUANDO FAZEMOS UMA CONSULTA RÁPIDA E SEM VONTADE.
De nada adiantaria prescrever os remédios sem as recomendações que se seguiriam (emagreça, coma comidas saudáveis, faça exercício), e menos ainda se não tivéssemos tido a sorte de nos aprofundar na história da doença, que também é aquilo que se sente. O BELO DE SE TRABALHAR NA ÁREA DA SAÚDE É ENTENDER QUE O SER HUMANO É MAIS DO QUE AQUILO QUE NOS FALA, MAS É TAMBÉM O QUE SENTE, O QUE DEMONSTRA, O QUE ESCONDE! Mais do que dores no corpo, ela precisava desabafar a situação de humilhação que estava passando, sentindo-se feia e não-amada.
Eu não soube o que dizer. A interna, com maestria, deu-lhe as recomendações necessárias e falou um pouco do auto-cuidado e do amor-próprio. Ali, naquele ambiente pouco acolhedor, a paciente pode chorar e receber a atenção que precisava. Ali foi feita a medicina humanizada que eu tenho procurado.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Não vi sequer seus olhos

Imagem retirada de escrevalolaescreva.blogspot.com
Estávamos todos ansiosos para o que iria acontecer: assistiríamos a nossa primeira consulta ginecológica. Quando viemos ao consultório, estávamos em bando - uma porção de alunos de jaleco branco. A paciente, que aguardava do lado de fora do consultório, viu-nos aproximando.
Ficamos discutindo como o professor sobre os procedimentos e percebemos uma movimentação lá fora. A paciente disse não queria mais fazer o exame e que iria embora. Certamente estava em seu direito e ai vem a grande dúvida que nos persegue a faculdade inteira: precisamos dos pacientes para aprender a ser médicos, mas como fazer quando estes se recusam o atendimento quando estamos?
O professor e os funcionário ficaram explicando que era necessário ela fazer o exame, resmungando que a paciente era isso ou aquilo e inquietos para resolver logo a situação. Por fim, ela concordou em fazer o exame.
Entro na sala rapidamente, preparou-se para o procedimento, deitou na maca e encobriu o rosto. Em nenhum momento vi seus olhos ou dirigi-lhe a palavra. EU NÃO SERIA CAPAZ DE DESCREVER COM PALAVRAS O CONSTRANGIMENTO QUE EU SENTIA. Ela parecia escrava a quem se impõe uma ordem e que ela realiza, mas com um ódio dos seus "senhorzinhos". Eu queria sair dali!
Estabelecer uma boa relação com o paciente, explicando os procedimentos e dando-lhe o direito de opinar é algo que transcende o que aprendemos na faculdade. Mas não é impossível de se aprender. O fato é que o paciente, principalmente estando em um local de atendimento público, pode se achar fragilizado, dando margem a alguns deslizes de quem lida com eles. Neste dia não aprendi apenas o que era uma colposcopia ou como estadiar o câncer de colo do útero, mas aprendi coisas que se deve levar para a vida: que aquele constrangimento eu não quero mais presenciar!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

E seu riso era como o dia...

Portrait of a Negress 1800 by Marie-Guillemine Benoist
Quando ela entrou no consultório, eu não sabia a que vinha. Era uma senhora algo sofrida, encurvada e mancava por causa de uns problemas que teve; trazia marcas da doença que a acompanhava a tempos e referia dores  em várias partes do corpo.
Sentou-se. Quando começou a falar sua história, eu estava a um canto, calada, observando. SEUS TREJEITOS TRADUZIAM UMA SENHORA QUE GOSTA DA VIDA, MAS QUE ESTA DECIDIU DAR-LHE O FARDO DE SUA DOENÇA. Por vezes, quando perguntávamos se tinha mais alguma queixa da doença, esquecia e era lembrada pelo acompanhante - parecia até que não estava se importando com a peça que a vida pregou-he.
Lá pelas tantas, começamos a perguntar sobre seus hábitos e ao ser perguntada se fumava, disse rapidamente que fumou por duas semanas, mas que não aguentou ... o preço do cigarro! Fazia-nos rir junto com suas histórias e não se incomodou quando quase uma dezena de pessoas se amontoou no consultório para também ouvir a história das suas "agruras".
Disse ainda que passou o mês de férias todo contando os dias para chegar esse momento, o da consulta na Universidade. A residente, intrigada, perguntou o porquê disso, ao que ouvimos:
- ADORO SER ATENDIDA AQUI. É TANTA GENTE DANDO ATENÇÃO PRA GENTE!
Contou que, de uma outra vez que ficou internada lá, houve uma aula na beira do leito em que estava. Começou a discussão sobre seu caso e o professor, inquisitivo, perguntou algo aos alunos. Ninguém estava sabendo a resposta, mas, como ela mesma disse, ela ouviu tantas vezes essa aula que cochichou para o aluno mais próximo a resposta! E era a resposta correta!
Nossa! E ainda duvidam que os pacientes têm o que nos ensinar!!!

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A dor invisível

"De médico e louco..."
Como fiz quando tive o meu primeiro contato com paciente pediátrico (leia em "E agora? O que vou fazer?"), vou narrar hoje minha primeira experiência com um paciente psiquiátrico.
Nunca fui muito fã de psiquiatria, na verdade tenho alguns problemas para compreender termos e aceitar algumas das teorias sexuais de Freud... Mas o fato é que não podemos 'não gostar' de algo antes de conhecer (nota mental quase nunca cumprida por mim!).
Quando o paciente começou a falar, as definições que nos foram apresentadas nas aulas teóricas afloraram na minha mente e a figura descrita pelo professor estava realmente ali, na minha frente. Um ser humano de carne e osso que o professor definiu como AQUELE QUE TEM UMA DOR INVISÍVEL, UM SOFRIMENTO DA ALMA, dai a difícil configuração no meio acadêmico de sua "doença".
Suas explicações efusivas de como era (ou não era) a sua vida me tocaram profundamente principalmente pela imagem negativa que carrego previamente, que a sociedade mesmo fez o "favor" de pintar para mim: manicômios, camisas de força, agressões, gritos guturais...
Eu, leiga em assuntos psiquiátricos, trazia comigo uma carga social cheia de preconceitos, alguns deles quebrados nessa primeira experiência. Em algum momento da entrevista com este paciente, ele disse algo que me fez relembrar o que me anseia profundamente e que precisei tomar nota para contar aqui a vocês; no meio de seus dizeres rápidos, quase vomitados, porém não tão desconexos, ELE DISSE "EU SOU IMPORTANTE... PARA MIM MESMO". Claro! Esse é o grito do nosso superego que se cala por causa da sociedade. Todos somos o centro das nossas vidas e achamos que somos o centro das vidas das demais pessoas... (não sempre, mas muitas vezes!)
Como costumo falar aqui no blog, eles, os pacientes, sempre trazem algo de novo para a gente, um aprendizado que nos constroi como profissionais, como cidadãos, como pessoas...

domingo, 28 de agosto de 2011

Alguém se doa por amor?

Imagem retirada de medispecoevou.blogspot.com/
Quando escolhi Medicina como profissão não tinha referências, nem parente médico, nem alguém que eu conhecesse para me orientar. Escolhi sem saber bem o porquê. Mas hoje... coisas em nossa vida nos mostram algumas verdades, e é essa verdade que venho compartilhar com vocês!
Quando se pensa em porque se escolhe a área da saúde para atuar, as mais variadas respostas surgem. ELE ERA ALGUÉM DE QUEM JÁ OUVI FALAR, ALIÁS ERA UMA IMAGEM MEIO UTÓPICA QUE ME PASSARAM DELE: ELE NÃO PODERIA SER TÃO BONZINHO...
Encontrei uma vez com ELE e fazia realmente jus ao que me disseram: ensinou-me o que coube àquele momento e tratou-me (mesmo estudante) com igualdade, sem prepotência.
A imagem que o médico nos passa, muitas vezes, é daquele que não pode ser contrariado, que não "se troca", que não perde um tempo de sua preciosa rotina para falar com os outros. Enganei-me. Alguns exemplos me foram apresentados ao longo da faculdade, e este está entre os que quero me espelhar. Era um plantão comum e ELE estava mais que atarefado: contatos para fazer, papeladas e cirurgias para dar seguimento. Entrou no centro cirúrgico às 14:30h e ainda às 20:20h não havia saído. Eu estava esperando do lado de fora por um amigo e quando ELE vinha, correndo para seguir para seus compromisso, foi abordado por uma acompanhante que queria algumas orientações sobre seu parente hospitalizado. Sabe o que ele fez? COMO SE NÃO HOUVESSE NADA MAIS NO MUNDO, SENTOU-SE E FICOU O TEMPO NECESSÁRIO PARA DAR TODAS AS ORIENTAÇÕES E RECOMENDAÇÕES. E aquilo incrivelmente me chamou atenção por não ser usual. Ah! Preciso dizer que era um hospital público?
Não nos é raro ver exemplos de grosserias, falta de tempo ou de paciência com aqueles que precisam dos serviços de saúde. E esse exemplo me valeu o dia. Doar-se pelo outro sempre que possível. Não deixar de viver, claro; mas atender quem necessita de ajuda, dentro das suas possibilidades!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Quando vem a calma

Pintura de Isabel Guerra - Sin otra luz ni guia sino la que en el corazón ardía
As situações que ocorrem em hospitais podem até ser comuns para quem neles trabalha; mas para pacientes e familiares aquele é um ambiente estranho ao seu cotidiano. Assim, é essencial que treinemos a forma de agir nessas situações. É neste treinamento que se baseia esse relato...
A acompanhante chegou muito revoltada. Estava preocupada com o companheiro que havia se acidentado, mas que estava "desesperado" para voltar logo para sua casa. O médico chegou e recebeu os papéis para dar alta. Parecia que ela havia segurado o choro o dia todo, sua voz embargada denunciava essa verdade. Quando o médico se retirou, ela começou a dizer que não aguentava mais estar ali, que era uma falta de respeito e tudo mais.
Na espera de uma Emergência, o clima é sempre "nervoso demais": QUALQUER MANIFESTAÇÃO DOS PACIENTES É UMA PORTA PARA QUE OS DEMAIS COMECEM A SE INQUIETAR. Aproximei-me dela e, reservadamente, contei que o médico esteve ocupado e que só agora poderia atender. Falei que entendia que ela estava muito preocupada com o namorado acidentado, mas eu pedia que ela tivesse um pouco de calma para que os outros pacientes não ficassem também nervosos.
Nesse momento, aquela mulher já angustiada começou a chorar e disse que já estava ali há muito tempo, que tinha medo que acontecesse alguma coisa com o companheiro e perguntou se era grave o que ele tinha.
Após a análise dos exames e do paciente, o médico já havia atendido o paciente e eu já estava entretida em outra atividade; a acompanhante chamou-me e pediu desculpas pela grosseria, que eu tentasse entender a sua aflição.
Cada pessoa tem a sua forma de agir diante de cada situação e, como eu disse, nós estamos preparados para o ambiente hospitalar, os pacientes e acompanhantes não. Cabe a nós procurar compreender as diferentes situações e não permitir o sofrimento evitável do próximo!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Barulhinho de coração

Imagem retirada de: profundopensar.blogspot.com
Algumas vezes, pequenos detalhes nos marcam bastante... uma palavra que você sem querer ouviu, uma lágrima que de repente você viu... Aconteceu hoje, em uma visita ao posto de saúde. Um pequeno momento que marcou meu dia!
A mulher deitou-se na maca para ser examinada. Estava grávida e vinha fazer o pré-natal. Era a primeira vez que eu examinava uma barriga, e dava medo apertá-la e machucar o bebê! Assim, pegando, apertando e medindo a barriga, transcorreu o atendimento. Eu acompanhava uma enfermeira, ela pegou um gel e colocou naquela barrigona na região que ela supunha estar "as costas" da criança. Com um aparelho de amplificação do som, começou a percorrer aquela região e, de repente, um barulhinho acelerado - tututututu -  encheu a sala da consulta. ERA A VIDA DENTRO DAQUELA MULHER, UMA VIDA QUE ESTAVA COMEÇANDO...
Provavelmente ela, a mãe, já havia passado por outras consultas, e tantas vezes ouvira esse coraçãozinho que pulava ali dentro. Mas foi indescritível para mim, que ainda nem sou mãe, poder ouvir aquelas batidinhas compassadas, como um samba acelerado, um ritmo para a vida acadêmica, o movimento para uma vida...

domingo, 31 de julho de 2011

Horror na sala de operação

A monstra desnuda, 1680, de Juan Carreño de Miranda
O que de mais importante nos impulsiona para agir nas nossas vidas é o conceito que temos do que conhecemos e o preconceito que formulamos da coisas. Assim, o texto que trago hoje é uma reflexão sobre o preconceito que influencia as nossas ações também na Medicina. Recentemente foi feita uma enquete neste blog sobre como o preconceito é percebido na nossa sociedade. Eis o resultado:


Há diversos tipos de preconceito e eles influenciam diretamente em nossa forma de lidar com o paciente. A história que trago para corroborar com essa ideia é a que presenciei em uma sala de operação. A paciente já tinha sofrido por horas devido as perfurações por bala em um assalto, foi colocada para dentro da sala. No momento de mobiliza-la de uma maca para outra, começaram as piadinhas, inicialmente baixas, trocas de olhares, risinhos. A paciente era uma moça, jovem e acima do peso. Foi feita a anestesia. Ao ser perguntado sobre como foi feita a sedação, o anestesista disse que havia usado X doses do sedativo. O seu colega caiu na gargalhada, perguntando porque a dose foi tão alta, ao que ele respondeu "Também, um bujãozinho desses, tinha que ser uma dose alta mesmo!". Durante o procedimento, os cirurgiões faziam comentários sarcásticos sobre a gordura da paciente e coisas do tipo. Logicamente ela não estava escutando, mas essa cena me fez lembrar de uma aula sobre espiritualidade que eu assisti, que a professora defendia que os pacientes podem sofrer traumas mesmo durante a anestesia, pois suas almas estariam lá naquele momento. Independente do que eu creio, ou não, o fato é que o que eu vi demonstra o total desrespeito de uma classe que deveria prezar pela igualdade de todos, sem menosprezar ninguém.
Os preconceitos que eu já pude presenciar não foram só contra pessoas acima do peso, mas contra pobres, interioranos e outros grupos de pessoas, PRÉ-ROTULADAS SEM QUE O CRITÉRIO DE "SELEÇÃO SEJA CLARO, BASEADO APENAS NA IGNORÂNCIA HUMANA. E, como sabemos, o preconceito não está só na área da saúde, mas em todos os lugares. Pessoas espancadas por intolerância, pessoas alijadas da sociedade por idiotice. Lutar contra isso depende do individual e do coletivo. Comecemos por onde podemos alcançar: o nosso próprio quintal!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Série Sentimentos: Pacientes Ensinam a Alegria

Imagem de: coisasparacriancas.com
Alegria não se ensina, é algo que apenas se sente... é verdade? Um dia uma criança, um paciente, me ensinou a alegria. E é isso que lhes vou contar aqui!
Ele era pequenino e magrinho. Muito fora da curva de crescimento que se traça das crianças ditas "saudáveis". Chegou à emergência assim, como quem vai a uma loja que nunca havia entrado, apesar de sempre ficar observando a vitrine. Aquela criança de 14 anos sentou na maca "mal engembrada", que de princípio quase lhe derrubou. Pedimo-lhe que se deitasse, porém teimou em querer ver o que iria acontecer com aquele corte na perna. O mais interessante de tudo é que, a despeito da nossa rotina (de alertar para a criança que não vai doer muito; que logo, logo ele estaria brincando), aquele menino continuou olhando atentamente sem dizer palavra, sem parecer querer chorar. Já lhes contei a história de uma mulher que tinha trauma de agulhas? Bem, já sim (para ler essa outra história, clique aqui)! Pois foi desta história que me lembrei ao ver a seguinte cena.
A anestesia foi colocada ao redor do ferimento, e o pequenino perguntou apenas se iria furar (com a agulha) dentro do corte. Após feita a aplicação, começou a "costura" e foi ai que eu aprendi o sentido da alegria. Aqueles olhos pertenciam a uma criança - que sofrera pela vida. Cortou-se em um carrinho de catador de lixo, seria seu instrumento de trabalho? Deveras, não sei! Mas o fato é que aqueles olhos brilhavam e a sua boca desenhava um sorriso bobo que, como eu disse, parecia de quem apenas via a vitrine e agora pode adentrar à loja!
O MENINO CRESCIDO, QUE NÃO CHOROU PELA DOR, SORRIU PARA MIM E DISSE QUE NÃO DOIA. Estava fascinado porque não estava sentindo nada, apesar do vai e vem da agulha na sua pele! Então eu aprendi o que era alegria... Alegria é quando se pensa algo ruim, fica apreensivo pelo que pode acontecer e, quando acontece, tem-se a agradável notícia de que nada de ruim vai acontecer. ALEGRIA É PODER SORRIR APESAR DO QUE SE PASSOU. Alegria foi poder ter visto uma criança, dentre as tantas e tantas atendidas que, ao final do tratamento, agradeceu pelo que fizemos e saiu feliz por não estar sentindo mais nada!

sábado, 23 de julho de 2011

Com desrespeito... ou sem respeito!

Foto retirada de tchaugorduxa.blogspot.com
Bem, vergonhosa... essa é a história que tenho pra contar hoje! Tem certas coisas que nem devem ser ditas, ainda mais em tom de brincadeira.
Como em todo plantão diurno, eu ainda não tinha descansado! Fiquei o dia todo pra cima e pra baixo, sempre tinha algo para fazer. Lá pelas tantas, chegou um paciente para tratar uma doença comum, mas que na maioria dos casos pode ser evitada: as escaras! Escaras são as chamadas "úlceras de pressão", sendo ferimentos desenvolvidos pelo baixo suprimento de oxigênio para determinada região da pele, que é comprimida por longos períodos (mais informações, clique aqui). Podem ser evitadas, principalmente, com a mobilização do paciente no leito, recomendando-se que essa movimentação seja feita de duas em duas horas. Quando em estágio avançado, elas tornam-se mau cheirosas e contem pus, muito pus. Assim, chegou-nos o paciente. Uma grande região estava ulcerada, e ao começar a retirada da úlcera, a sala ficou extremamente "fedorenta".
Não bastasse o constrangimento de estar despido na frente de várias pessoas que ele não conhecia (profissionais de saúde e estudantes da área), cometeu-se o erro que tomamos conhecimento logo ao começar a estudar Medicina: NÃO SE DEVE COMENTAR SARCASTICAMENTE SOBRE AS MOLÉSTIAS DOS PACIENTES, SÓ ELE SABE O QUE ESTÁ SENTINDO E NÃO PRECISA DO NOSSO "AUXÍLIO" PARA SE SENTIR PIOR! Estudantes e alunos foram convocados, um por um, para ver o que estava sendo feito em sua escara. Todos entravam torcendo o nariz, ou falando coisas como "eca", ou fungando... O paciente, deitado e acordado, assistia à cena com se ele fosse o monstro principal de um filme de terror. Quanto mais a limpeza da ferida se aprofundava, mais o mau cheiro se acentuava e mais as pessoas comentava - comentava-se inclusive com quem estava fora da sala.
O ápice da arrogância foi quando o pus começou a sair da ferida e alguém disse que parecia com "leite condesando". Leite condensado!? Poxa, a pessoa já está triste o suficiente com aquela situação, preocupada o suficiente como o que lhe pode acontecer, e ainda tem que aguentar as pessoas rindo e fazendo comentários asquerosos sobre a sua situação?
Acredito que há momentos para se comentar tudo, e nem tudo deve ser dito na frente de quem já está fragilizado com a sua saúde! A questão é que diversas vezes não paramos para comedir nossas palavras e gestos. Não sou dona da razão, mas não é preciso ser nenhum gênio para saber que essa cena não precisava acontecer!

terça-feira, 19 de julho de 2011

Série Sentimento: Pacientes Ensinam a Preocupação

Imagem retirada do blog maepreocupada.blogspot.com
Estava dando uma olhadinha em uns blogs na rede, e deparei um que falava especificamente sobre um sentimento que nos acomapanha diariamente... a preocupação. Preocupar-se é realmente ocupar previamente seu tempo com pensamentos e cuidados de algo que pode acontecer. Em uma frase de Haddon W. Robinson diz-se: "O que te preocupa, te domina"... isso pode enlouquecer alguém. Mas há vezes que é inevitável, daí vem o sentido de eu mencionar o blog maepreocupada.blogspot.com/ : lembrou-me a preocupação de uma mãe naquilo que observo nos hospitais...

Houve um certo "reboliço" quando aquele jovem entrou na sala. Havia sido espancado por assaltantes que levaram algumas roupas dele (as que ele trazia em uma sacola e no corpo!) e o rapaz foi encontrado inconsciente. Ele estava muito apreensivo, mas, naquele momento, já falava conosco o suficiente para chamar por sua mãe.
Pouco tempo depois, aproximou-se aquela senhora. Mulher forte, já madura, entrou trazendo em seu semblante toda uma preocupação estampada. COMO DESCREVER OS TRAÇOS DO ROSTO DE UMA MÃE QUE VÊ SEU FILHO ESPANCADO IMPUNEMENTE?! Se pudessem ser resumidos a uma palavra, talvez eu escolhesse "desespero".
Feito o atendimento inicial, deixamos que mãe e filho conversassem. Ela queria saber se ele havia reagido ao que ouviu um: "mãe, eles levaram a roupa novinha, que eu acabei de ganhar!". Aquilo me surpreendeu e provavelmente à mãe também. Visivelmente incrédula com o que ele disse, ela falou que ele não deveria ligar para isso, era apenas bem material; que agradecesse, contudo, por estar vivo e sendo atendido...
Mães: estas são o que melhor traduzem o termo preocupação. Em outros plantões, presenciei também essa intensidade de sentimento (como no texto O Grande Amor) e deixo, por fim, uma reflexão aos profissionais de saúde, para que a gente aprenda a lidar com esse forte sentimento, que nos mortifica (a todos) aos poucos:
"Normalmente os homens preocupam-se mais com aquilo que não podem ver que com aquilo que podem" Júlio César, Imperador Romano

terça-feira, 12 de julho de 2011

Série Sentimentos: Pacientes Ensinam a gratidão

Imagem: regionalilheus.blogspot.com
Analisando as dezenas de sentimentos que podemos aprender em nossa vida, a gratidão é certamente o mais charmoso. Charmoso porque não tem os arroubos a que a paixão nos submete, mas não é tão passivo quanto a aceitação. SER GRATO É RECONHECER ALGO DE BOM QUE LHE FOI FEITO E NÃO POSSUIR NADA MAIS QUE PALAVRAS E GESTOS PARA PAGAR AQUELE ATO. Gratidão foi o que um dia me foi ensinado pelos pacientes...
A senhora já estava sendo atendida. Claramente desconfortável naquela maca, e sentindo dores, ela procurava algo para se distrair: começou a conversar. Como eu não estava fazendo o procedimento, pude lhe dar a atenção de que precisava para ignorar que estavam mexendo em seus ferimentos. Ela começou então a contar uma história...
Seu filho, pouco tempo após nascer, ficara doente, mas ninguém conseguia dizer o que ele tinha. Várias visitas em hospitais e vários dias se passaram, e nada de diagnosticar, muito menos dizer de que ele padecia. Seu estado de saúde piorava e ela estava desesperada com a morte iminente de sua criança. Foi quando, em mais uma visita aos médicos, um estudante (interno) olhou com outros olhos para aquele caso. Ele sugeriu que fosse solicitada um tomografia, ao que se diagnosticou abscesso cerebral.
Ela contou que ainda hoje sofre levando seu filho para se tratar, pois ainda não está completamente curado. Mas disse também que será eternamente grata àquele que olhou para seu problema e mostrou-lhe um caminho a ser seguido. E completou dizendo que muitas vezes as pessoas não querem ser atendidas por médicos novinhos (se referindo à nós, estudantes), porém ela sabia que foi um desses novinhos que a ajudou.
AO TERMINAR O PROCEDIMENTO, AGRADECEU BASTANTE E EU FIQUEI COM A SENSAÇÃO DE QUE, AINDA COMO ESTUDANTES, PODEMOS SEMPRE OFERECER ALGO A QUEM ESTÁ PRECISANDO.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Série Sentimentos: Pacientes Ensinam a Raiva

Imagem retirada de: jhonatasricardo.wordpress.com
Sentimentos nobres ou não, estamos todos sujeitos às nossas emoções... Quem nunca sentiu raiva, que atire a primeira mentira!
Plantão bastante movimentado, não parava de chegar pacientes: quedas em casa, quedas de moto, tiros, dores abdominais, espancamentos... Paciente após pacientes, todos igualmente necessitando de ajuda. Assim, como é regra em todos os hospitais de emergência, são atendidos aqueles que apresentam potencial risco de morte antes de quaisquer outros. Partindo desse princípios, vários pacientes graves foram sendo vistos, medicados e encaminhados; e havia um casal que aguardava o atendimento.
Lá pelas tantas, quando mais um paciente bastante debilitado chegara e passara na frente do casal, a mulher ficara bastante irritada. É interessante como cada pessoa se expressa à sua maneira. Ela começou a reclamar que não aceitava esse absurdo, que várias pessoas já haviam passado na frente de seu marido, que isso, que aquilo. A médica começou a lhe explicar os procedimentos na emergência, que aquilo era uma regra de todos os hospitais. A acompanhante, por sua vez, disse que só naquela "porcaria" era que isso ocorria e completou: "MAL-EDUCADA É TU, 'BUNITINHA'".
Logicamente, profissionais devem evitar ao máximo o confronto com os pacientes; porém os pacientes precisam também entender que, primeiro, temos limites e, segundo, também trabalhamos sob pressão. Devemos entender que os pacientes e seus acompanhantes estão temerosos como o que pode acontecer de suas vidas, mas nós também temos nossas preocupações. Aquela médica simplesmente se retirou e solicitou que um colega a substituísse. Achei muito legal a atitude dela. Imagine se, em vez disso, ela revidasse!
Os pacientes nos ensinam o amor, mas também nos ensinam com a sua raiva!

terça-feira, 28 de junho de 2011

Série Sentimentos: Pacientes Ensinam o Amor


Como os propósitos centrais desse blog é relatar o que tenho aprendido com os pacientes e repassar a vocês essas experiências, aqui vai mais um texto das belas coisas que vejo em meio a uma "saúde humana" que está em crise...
O plantão começara cedo. Diferentemente dos demais plantões, este foi durante o dia, então os casos vistos na Emergência são outros. Assim, lá pelas tantas da tarde, entra na sala uma família que trazia uma senhora. Esta apresentava problemas de saúde e estava debilitada. O médico indicou a cirurgia ao passo que emendou dizendo que ERA UMA CIRURGIA DE GRANDE RISCO DE MORTE, SENDO A ÚNICA TERAPIA DISPONÍVEL PARA O CASO.
Essa notícia assim, dada "na lata", sem meias palavras me comoveu não somente pela gravidade da questão, mas principalmente pelas figuras humanas que ali se apresentavam...
Era um casal de meia idade, juntos por quase toda a vida. Ela, acamada e frágil, há tanto tempo com a aliança que esta teimava em sair do dedo (para que ela subisse ao centro cirúrgico era necessário retirar tudo!). Ele, fala leve e amorosa, falava que tudo ia dar certo e lhe acariciava os cabelos. Não sei de suas vidas fora dali, mas aquela simples imagem mostrou-me que OS PACIENTES NOS ENSINAM MUITAS COISAS - OU AS JOGAM EM NOSSAS CARAS, ASSIM, ESCANCARADAMENTE. Estes? Estes me ensinaram o amor, o longo amor que os anos vêm passar.