quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A dor invisível

"De médico e louco..."
Como fiz quando tive o meu primeiro contato com paciente pediátrico (leia em "E agora? O que vou fazer?"), vou narrar hoje minha primeira experiência com um paciente psiquiátrico.
Nunca fui muito fã de psiquiatria, na verdade tenho alguns problemas para compreender termos e aceitar algumas das teorias sexuais de Freud... Mas o fato é que não podemos 'não gostar' de algo antes de conhecer (nota mental quase nunca cumprida por mim!).
Quando o paciente começou a falar, as definições que nos foram apresentadas nas aulas teóricas afloraram na minha mente e a figura descrita pelo professor estava realmente ali, na minha frente. Um ser humano de carne e osso que o professor definiu como AQUELE QUE TEM UMA DOR INVISÍVEL, UM SOFRIMENTO DA ALMA, dai a difícil configuração no meio acadêmico de sua "doença".
Suas explicações efusivas de como era (ou não era) a sua vida me tocaram profundamente principalmente pela imagem negativa que carrego previamente, que a sociedade mesmo fez o "favor" de pintar para mim: manicômios, camisas de força, agressões, gritos guturais...
Eu, leiga em assuntos psiquiátricos, trazia comigo uma carga social cheia de preconceitos, alguns deles quebrados nessa primeira experiência. Em algum momento da entrevista com este paciente, ele disse algo que me fez relembrar o que me anseia profundamente e que precisei tomar nota para contar aqui a vocês; no meio de seus dizeres rápidos, quase vomitados, porém não tão desconexos, ELE DISSE "EU SOU IMPORTANTE... PARA MIM MESMO". Claro! Esse é o grito do nosso superego que se cala por causa da sociedade. Todos somos o centro das nossas vidas e achamos que somos o centro das vidas das demais pessoas... (não sempre, mas muitas vezes!)
Como costumo falar aqui no blog, eles, os pacientes, sempre trazem algo de novo para a gente, um aprendizado que nos constroi como profissionais, como cidadãos, como pessoas...

domingo, 28 de agosto de 2011

Alguém se doa por amor?

Imagem retirada de medispecoevou.blogspot.com/
Quando escolhi Medicina como profissão não tinha referências, nem parente médico, nem alguém que eu conhecesse para me orientar. Escolhi sem saber bem o porquê. Mas hoje... coisas em nossa vida nos mostram algumas verdades, e é essa verdade que venho compartilhar com vocês!
Quando se pensa em porque se escolhe a área da saúde para atuar, as mais variadas respostas surgem. ELE ERA ALGUÉM DE QUEM JÁ OUVI FALAR, ALIÁS ERA UMA IMAGEM MEIO UTÓPICA QUE ME PASSARAM DELE: ELE NÃO PODERIA SER TÃO BONZINHO...
Encontrei uma vez com ELE e fazia realmente jus ao que me disseram: ensinou-me o que coube àquele momento e tratou-me (mesmo estudante) com igualdade, sem prepotência.
A imagem que o médico nos passa, muitas vezes, é daquele que não pode ser contrariado, que não "se troca", que não perde um tempo de sua preciosa rotina para falar com os outros. Enganei-me. Alguns exemplos me foram apresentados ao longo da faculdade, e este está entre os que quero me espelhar. Era um plantão comum e ELE estava mais que atarefado: contatos para fazer, papeladas e cirurgias para dar seguimento. Entrou no centro cirúrgico às 14:30h e ainda às 20:20h não havia saído. Eu estava esperando do lado de fora por um amigo e quando ELE vinha, correndo para seguir para seus compromisso, foi abordado por uma acompanhante que queria algumas orientações sobre seu parente hospitalizado. Sabe o que ele fez? COMO SE NÃO HOUVESSE NADA MAIS NO MUNDO, SENTOU-SE E FICOU O TEMPO NECESSÁRIO PARA DAR TODAS AS ORIENTAÇÕES E RECOMENDAÇÕES. E aquilo incrivelmente me chamou atenção por não ser usual. Ah! Preciso dizer que era um hospital público?
Não nos é raro ver exemplos de grosserias, falta de tempo ou de paciência com aqueles que precisam dos serviços de saúde. E esse exemplo me valeu o dia. Doar-se pelo outro sempre que possível. Não deixar de viver, claro; mas atender quem necessita de ajuda, dentro das suas possibilidades!

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Quando vem a calma

Pintura de Isabel Guerra - Sin otra luz ni guia sino la que en el corazón ardía
As situações que ocorrem em hospitais podem até ser comuns para quem neles trabalha; mas para pacientes e familiares aquele é um ambiente estranho ao seu cotidiano. Assim, é essencial que treinemos a forma de agir nessas situações. É neste treinamento que se baseia esse relato...
A acompanhante chegou muito revoltada. Estava preocupada com o companheiro que havia se acidentado, mas que estava "desesperado" para voltar logo para sua casa. O médico chegou e recebeu os papéis para dar alta. Parecia que ela havia segurado o choro o dia todo, sua voz embargada denunciava essa verdade. Quando o médico se retirou, ela começou a dizer que não aguentava mais estar ali, que era uma falta de respeito e tudo mais.
Na espera de uma Emergência, o clima é sempre "nervoso demais": QUALQUER MANIFESTAÇÃO DOS PACIENTES É UMA PORTA PARA QUE OS DEMAIS COMECEM A SE INQUIETAR. Aproximei-me dela e, reservadamente, contei que o médico esteve ocupado e que só agora poderia atender. Falei que entendia que ela estava muito preocupada com o namorado acidentado, mas eu pedia que ela tivesse um pouco de calma para que os outros pacientes não ficassem também nervosos.
Nesse momento, aquela mulher já angustiada começou a chorar e disse que já estava ali há muito tempo, que tinha medo que acontecesse alguma coisa com o companheiro e perguntou se era grave o que ele tinha.
Após a análise dos exames e do paciente, o médico já havia atendido o paciente e eu já estava entretida em outra atividade; a acompanhante chamou-me e pediu desculpas pela grosseria, que eu tentasse entender a sua aflição.
Cada pessoa tem a sua forma de agir diante de cada situação e, como eu disse, nós estamos preparados para o ambiente hospitalar, os pacientes e acompanhantes não. Cabe a nós procurar compreender as diferentes situações e não permitir o sofrimento evitável do próximo!

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Barulhinho de coração

Imagem retirada de: profundopensar.blogspot.com
Algumas vezes, pequenos detalhes nos marcam bastante... uma palavra que você sem querer ouviu, uma lágrima que de repente você viu... Aconteceu hoje, em uma visita ao posto de saúde. Um pequeno momento que marcou meu dia!
A mulher deitou-se na maca para ser examinada. Estava grávida e vinha fazer o pré-natal. Era a primeira vez que eu examinava uma barriga, e dava medo apertá-la e machucar o bebê! Assim, pegando, apertando e medindo a barriga, transcorreu o atendimento. Eu acompanhava uma enfermeira, ela pegou um gel e colocou naquela barrigona na região que ela supunha estar "as costas" da criança. Com um aparelho de amplificação do som, começou a percorrer aquela região e, de repente, um barulhinho acelerado - tututututu -  encheu a sala da consulta. ERA A VIDA DENTRO DAQUELA MULHER, UMA VIDA QUE ESTAVA COMEÇANDO...
Provavelmente ela, a mãe, já havia passado por outras consultas, e tantas vezes ouvira esse coraçãozinho que pulava ali dentro. Mas foi indescritível para mim, que ainda nem sou mãe, poder ouvir aquelas batidinhas compassadas, como um samba acelerado, um ritmo para a vida acadêmica, o movimento para uma vida...