domingo, 16 de outubro de 2011

Será que eu tenho essa força?

Imagem retirada de: vivamaisunicamp.wordpress.com
Em uma das aulas, dessas que nunca são rotineiras, tive uma experiência que pretendo não esquecer. Primeiro porque a gente nunca espera que as pessoas tratem seus problemas tão abertamente entre tantos outros desconhecidos (nós, estudantes!). Segundo, porque as lições que tive naquele dia foram inesquecíveis!
Ouvíamos o relato de pacientes que tiveram suas vidas divididas com o alcoolismo. Divididas porque anestesiar-se com a droga não é viver, é algo paralelo a isso. Eles haviam usados outras drogas, perdido oportunidades e família. Eles estavam lutando para conseguir se firmar na vida, tentando reconquistar a confiança dos entes e voltar à sociedade.
Um deles, pessoa estudada e de fala fluente, me chamou atenção. Não por causa dessas características, mas pela forma como abriu-nos seu problema. A situação era simples: ele era uma pessoa viciada, que usava medicações para não deslizar de novo e que queria se firmar na vida, apesar de saber que o tempo que ele perdeu não voltará! Mas quando o professor falou da necessidade que ele tinha de lutar contra as drogas, ele falou-nos com uma voz que não vinha da garganta, mas do fundo de seu coração já machucado demais pelas circunstâncias da vida: Será que eu tenho essa força?
Em outro momento, ele disse algo que eu tento incutir na mente, mas isso não é nada fácil. Disse que RESOLVER O PROBLEMA DOS OUTROS É FÁCIL, DIFÍCIL É RESOLVER OS NOSSOS PRÓPRIOS PROBLEMAS e disse que essa era uma oportunidade única de aprendermos antes de por em prática e cobrarem da gente a cura de pessoas com ele.
O interessante é que na nossa posição de observadores das ações dos pacientes, diversas vezes esquecemos de fazer essa auto-análise. E QUEM QUER ENXERGAR SEUS PRÓPRIOS DEFEITOS, SUAS FRAQUEZAS E FALHAS? Sempre fui relutante quanto a diversos aspectos da psiquiatria, e quem me conhece sabe que isso é de muito tempo. Mas devo reconhecer a importância de nos conhecermos, de buscar respostas para o que nos aflige e de ajudar os que sofrem a dor da alma!

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O que procuro

Imagem retirada de gifsdaprin.kit.net
A senhora entrou no consultório cheia de dores.

- O que trouxe a senhora aqui?
- Doutora, eu tô com dor aqui no ombro, nesse dedo, nessa panturrilha, no punho direito e cotovelo esquerdo. Tenho dor de cabeça, tenho mais isso e mais aquilo...

Colhida a história da paciente e realizado o exame físico por duas internas e eu, ficamos aguardando a doutora para discutir o caso. Um pouco mais de conversa e a paciente começou a contar as coisas que estavam agravando seu estado de saúde, a situação com o marido, a baixa auto-estima... UMA SÉRIE DE OUTROS FATORES QUE PASSAM DESPERCEBIDOS QUANDO FAZEMOS UMA CONSULTA RÁPIDA E SEM VONTADE.
De nada adiantaria prescrever os remédios sem as recomendações que se seguiriam (emagreça, coma comidas saudáveis, faça exercício), e menos ainda se não tivéssemos tido a sorte de nos aprofundar na história da doença, que também é aquilo que se sente. O BELO DE SE TRABALHAR NA ÁREA DA SAÚDE É ENTENDER QUE O SER HUMANO É MAIS DO QUE AQUILO QUE NOS FALA, MAS É TAMBÉM O QUE SENTE, O QUE DEMONSTRA, O QUE ESCONDE! Mais do que dores no corpo, ela precisava desabafar a situação de humilhação que estava passando, sentindo-se feia e não-amada.
Eu não soube o que dizer. A interna, com maestria, deu-lhe as recomendações necessárias e falou um pouco do auto-cuidado e do amor-próprio. Ali, naquele ambiente pouco acolhedor, a paciente pode chorar e receber a atenção que precisava. Ali foi feita a medicina humanizada que eu tenho procurado.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Não vi sequer seus olhos

Imagem retirada de escrevalolaescreva.blogspot.com
Estávamos todos ansiosos para o que iria acontecer: assistiríamos a nossa primeira consulta ginecológica. Quando viemos ao consultório, estávamos em bando - uma porção de alunos de jaleco branco. A paciente, que aguardava do lado de fora do consultório, viu-nos aproximando.
Ficamos discutindo como o professor sobre os procedimentos e percebemos uma movimentação lá fora. A paciente disse não queria mais fazer o exame e que iria embora. Certamente estava em seu direito e ai vem a grande dúvida que nos persegue a faculdade inteira: precisamos dos pacientes para aprender a ser médicos, mas como fazer quando estes se recusam o atendimento quando estamos?
O professor e os funcionário ficaram explicando que era necessário ela fazer o exame, resmungando que a paciente era isso ou aquilo e inquietos para resolver logo a situação. Por fim, ela concordou em fazer o exame.
Entro na sala rapidamente, preparou-se para o procedimento, deitou na maca e encobriu o rosto. Em nenhum momento vi seus olhos ou dirigi-lhe a palavra. EU NÃO SERIA CAPAZ DE DESCREVER COM PALAVRAS O CONSTRANGIMENTO QUE EU SENTIA. Ela parecia escrava a quem se impõe uma ordem e que ela realiza, mas com um ódio dos seus "senhorzinhos". Eu queria sair dali!
Estabelecer uma boa relação com o paciente, explicando os procedimentos e dando-lhe o direito de opinar é algo que transcende o que aprendemos na faculdade. Mas não é impossível de se aprender. O fato é que o paciente, principalmente estando em um local de atendimento público, pode se achar fragilizado, dando margem a alguns deslizes de quem lida com eles. Neste dia não aprendi apenas o que era uma colposcopia ou como estadiar o câncer de colo do útero, mas aprendi coisas que se deve levar para a vida: que aquele constrangimento eu não quero mais presenciar!

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

E seu riso era como o dia...

Portrait of a Negress 1800 by Marie-Guillemine Benoist
Quando ela entrou no consultório, eu não sabia a que vinha. Era uma senhora algo sofrida, encurvada e mancava por causa de uns problemas que teve; trazia marcas da doença que a acompanhava a tempos e referia dores  em várias partes do corpo.
Sentou-se. Quando começou a falar sua história, eu estava a um canto, calada, observando. SEUS TREJEITOS TRADUZIAM UMA SENHORA QUE GOSTA DA VIDA, MAS QUE ESTA DECIDIU DAR-LHE O FARDO DE SUA DOENÇA. Por vezes, quando perguntávamos se tinha mais alguma queixa da doença, esquecia e era lembrada pelo acompanhante - parecia até que não estava se importando com a peça que a vida pregou-he.
Lá pelas tantas, começamos a perguntar sobre seus hábitos e ao ser perguntada se fumava, disse rapidamente que fumou por duas semanas, mas que não aguentou ... o preço do cigarro! Fazia-nos rir junto com suas histórias e não se incomodou quando quase uma dezena de pessoas se amontoou no consultório para também ouvir a história das suas "agruras".
Disse ainda que passou o mês de férias todo contando os dias para chegar esse momento, o da consulta na Universidade. A residente, intrigada, perguntou o porquê disso, ao que ouvimos:
- ADORO SER ATENDIDA AQUI. É TANTA GENTE DANDO ATENÇÃO PRA GENTE!
Contou que, de uma outra vez que ficou internada lá, houve uma aula na beira do leito em que estava. Começou a discussão sobre seu caso e o professor, inquisitivo, perguntou algo aos alunos. Ninguém estava sabendo a resposta, mas, como ela mesma disse, ela ouviu tantas vezes essa aula que cochichou para o aluno mais próximo a resposta! E era a resposta correta!
Nossa! E ainda duvidam que os pacientes têm o que nos ensinar!!!