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Entramos na enfermaria e um odor desagradável irritou-me as narinas. O
café-da-manhã embrulhava no meu estômago e parecia fazer toc-toc em uma porta,
pedindo para sair. Concentrei-me na cena: dois homens deitados nos leitos da
Urologia, sem acompanhantes, pareciam recém-acordados de uma noite bem dormida.
O que estava mais próximo recebeu a todos com um sorriso aberto. O doutor que o
acompanhava perguntou cordialmente como ele estava e se já estava ansioso
com a cirurgia que seria dali a pouco.
Na enfermaria, um outro paciente observava a movimentação. O médico solicitou
que ele saísse por alguns instantes, ao que ele concordou prontamente,
levantando-se e fechando a porta atrás de si. Achei estranha a atitude, já que,
de rotina, atendíamos a todos os pacientes perante os demais, sem cerimônias.
O doutor perguntou-lhe se sentia alguma dor e se poderia mostrar a
região do tumor para os alunos.
- Vocês sabem o que é tumor de Buschke-Loewenstein?
Minha colega e eu nos entreolhamos. Ela disse que já ouviu este epônimo,
porém não se recordava do que se tratava. O paciente baixou o short e mostrou o
grande tumor nas partes íntimas, mantendo ainda o mesmo sorriso com que nos
recepcionou. Disse que não tinha vergonha, afinal estávamos todos lá para
aprender e em breve estaríamos salvando vidas...
"Salvando
vidas", ESSAS PALAVRAS AINDA ECOAM AQUI NA MINHA CABEÇA, GIRANDO E GIRANDO
COMO SE PROCURASSEM O SENTIDO EM TUDO ISSO. Um homem exposto, vulnerável,
desprendido de seus pudores para salvar sua vida e nos ensinar: ensinar que não
levamos nada da vida, a não ser o que de bom fazemos aos outros, o que nos faz
ter a certeza de que nossa vida não é desprovida de sentido.