O segundo texto da série é da autoria de Alexandre Silva, aluno da Faculdade de Medicina UFC - Sobral, que relata mais um dos muitos aprendizados que obteve na vida acadêmica. Lembrando que todos têm algo a nos ensinar... e nossos "pacientes" também o têm!
Alexandre Silva - estudante de Medicina |
"De fato, a vida particular dos pacientes só diz respeito a eles mesmos, mas, como todos sabem, o médico, e por extensão o estudante de Medicina, acaba sendo menos médico e mais psicólogo, ouvinte, amigo íntimo ou confidente, dependendo da situação. Pensando nisso, relato aqui um fato ocorrido comigo numa das minhas visitas à enfermaria de Neurologia de um hospital público de Sobral. Chegando à enfermaria 4, deparei um idoso recém-admitido trauma raquimedular e crânio-encefálico, devido a um acidente de moto sem o uso de capacete. Até ai, SERIA MAIS UM CASO COMO MUITOS OUTROS DE ACIDENTE DE MOTOCICLETA QUE LOTAM AS EMERGÊNCIAS E AGRAVAM AS ESTATÍSTICAS DE MORTE NO TRÂNSITO. Como o paciente estava letárgico e pouco ou nada responsivo, procurei obter informações com a senhora que estava ao lado:
– Bom dia. A senhora está acompanhando o paciente? É esposa? - perguntei, julgando pela idade aparentemente semelhante de ambos
– Sou sim, mas eu não convivo com ele. Nós nos separamos há 7 anos, quando ele me deixou por outra - respondeu conformada - Mas não tinha ninguém pra ficar com ele, ai foi o jeito eu ficar.
Confesso que, nesse momento, a minha atenção se desviou do paciente e ME VOLTEI PARA AQUELA SENHORA QUE PARECIA ESTAR SOFRENDO UMA DOR DIFERENTE, A DOR DA ALMA. Entre perguntas sobre o paciente e sobre a história da acompanhante, ela foi desabafando:
– Sabe doutor - como muitos, ela ainda não sabia que eu sou apenas estudante - ele me deixou com 7 filhos pra criar sozinha e se 'juntou' com uma mulher muito mais nova que só queria o dinheiro dele. Eu sofri muito, mas graças a Deus, hoje, meus filhos estão criados, casados e vivendo bem. E agora que o pai deles está nessa situação - falou apontando para o leito, com um olhar de piedade - eu tive que vir, já que a mulher dele nem apareceu. E Deus é tão justo, doutor, que ele foi um pai ruim pros filhos, que ele os abandonou, mas mesmo assim, os filhos deixaram seus trabalhos e suas esposas e vieram visitar. E até agora, a mulher ainda não veio. Ela só queria o dinheiro dele, doutor.
Após uma pausa breve para reflexão, notei que a folha do caderninho em que anoto as informações da anamnese estava quase em branco. E ela continuou:
– Não era pra eu estar aqui, doutor. Ele foi muito ruim para mim e para os meus filhos. Agora está ai, sem poder fazer nada e dependendo de mim pra tudo. Eu sou muito besta. Mas me sinto bem fazendo isso, afinal ele foi o homem que amei e é o pai dos meus filhos.
– A senhora é muito boa. Tem um grande coração e está ajudando a quem te fez mal. Isso é muito nobre. (falei, passando a mão sobre seu ombro).
Depois desse desabafo, voltei-me ao paciente e fiz alguns exames neurológicos de rotina. Eu agradeci, desejei coisas boas aos dois e sai.
O ensinamento que esse fato me proporcionou foi o do perdão. Uma mulher humilde abandonada teve a dignidade e o gesto nobre de perdoar e permanecer ao lado do marido diante de uma situação tão difícil como a que ele estava passando. A atitude desta senhora deve ser exemplo para a vida."
que interessante, apesar da situação pós acidente, a experiência deve ter sido enriquecedora. nessas horas que a gente ver quem está preparado para dar apoio ;)
ResponderExcluirRealmente gesto muito nobre, o perdão! Como você mesmo disse essa senhora humilde, mesmo depois de tudo que diz ter sofrido conseguiu perdoar... Tem pessoas que julgam-se sábias e carregam consigo a amargura de não conseguir perdoar para "não dar o braço a torcer"... Espero que essas suas experiências continue lhe rendendo bons ensinamentos e que você continue repassando!
ResponderExcluirBeijos
Edeline Araújo
Impressionante o seu relato!
ResponderExcluirO gesto que essa senhora demonstrou é realmente muito nobre, pois transformar toda a mágoa e todo o ressentimento numa atitude que não busca recompensas, que não julga e que não impõe condições é algo raro nessa sociedade tão mesquinha!
E como disse Augusto Cury :"É na insignificância que se conquistam os grandes significados, é na pequenez que se realizam os grandes atos."
Jéssica M.