segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Não joguem a primeira pedra! Aliás, pedra nenhuma!

Imagem retirada de lealdadefeminina.blogspot.com
Interessante como estudar na área da saúde tem me permitido, cada vez mais, perceber e entender algumas situações humanas em que antes eu nem pensava. Como entender a vergonha que uma mãe tem da filha?
Estávamos em mais um atendimento quando entrou aquela dupla: mãe e filha, esta bem cuidada e aparentemente saudável e aquela, arrumada e maquiada. Quando começou a contar sua história, olhei para a pequenina e procurei algum sinal do que ela narrara: a criança havia nascido com o sistema digestivo incompleto, sendo necessário fazer um desvio do trajeto natural das fezes, que passariam a sair por um "buraquinho" feito por cirurgia na "barriga". A cirurgia já havia sido feita desde que ela nascera.
A criança nos olhava, estava calma no colo da mãe. Perguntei sobre a idade dela e já estava em idade escolar. AO PERGUNTAR O PORQUÊ DE NÃO LEVAR A CRIANÇA À ESCOLA, A MÃE RESPONDEU QUE NÃO SABIA COMO CONTAR AQUILO ÀS PESSOAS NA ESCOLA. Nossa! Passou-me pela cabeça tudo o que os nossos responsáveis fazem para nos proteger, mas proteger de quê? Do que as pessoas vão dizer? Do que você vai ter que enfrentar? Proteger de quê?!
Aquela mulher estava preocupada e envergonhada. Como ela faria para enfrentar um sociedade que não se preocupa apenas com a sua vida, mas se interessa pelos problemas dos outros, repassa-os, critica-os. Imaginei os pensamentos sofríveis que aquela mãe tinha ao pensar em expor a sua filha daquela maneira, avisar para professores e diretor do problema dela e compartilhar de sua realidade com outras pessoas. A mãe ainda disse que morava em uma cidade pequena e que tinha inclusive pessoas na família que não sabia disto!
Não cabe a ninguém criticar a atitude da mãe, mas eu tentei entender os motivos que lhe fizeram tomar tal atitude. Aconselhei-a a pensar mais sobre colocar sua filha na escola, para que ela não ficasse tão atrasada nos estudos, porém reconheço que não é somente um conselho que vai mudar a vida daquela mulher. EM UMA SOCIEDADE EM QUE NÃO SE PERMITE SER "DIFERENTE", NÃO É NADA FÁCIL QUE OS "DIFERENTES" SE ACEITEM COMO SÃO!

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Humanos como Desumanos

Imagem retirada de: voceemminhanovavida.blogspot.com
Nós nunca temos ideia do que a vida nos reserva. Assim era aquela senhora, debilitada, na maca do hospital. Já fora mãe, é verdade, mas perder um filho sempre mexe com a mulher. Nós, alunos, estávamos todos muito interessados em ouvir o que lhe acontecera, que procedimentos seriam feitos com ela e como aquilo tudo iria terminar. Ela contava cada detalhe, falava da sua primeira gravidez e como descobrira esta. Contou das dores e náuseas que sentira e do medo que tinha do seu diagnóstico. Abortamento espontâneo, o que deve passar na cabeça de uma mulher?
Ao manusear a sua pilha de exames, o médico nos contava o que havia nos exames da paciente. Ultrassom, exame de sangue, de hormônios... uma pequena lista que contava parte da história pela qual ela passou, mas nada dizia dos seus sentimentos.
Lá pelas tantas, o médico apontou-nos um laudo e disse "feto morto". Apontou-nos uma imagem do ultrassom e disse "feto morto". Apontou a história anotada por outro médico e disse "feto morto"... e nessa sucessão de palavras, olhei para a paciente e vi aquela mulher segura de sua situação chorar. Eram lágrimas abafadas, talvez pela vergonha de se despir os sentimentos ante quase uma dezena de alunos, mas eram lágrimas fortes o suficiente para lacerar meu coração. Como lidar com situações tão íntimas sem sequer se interessar pelo que se passa com o outro? E a imagem de um feto morto veio à minha mente e NÃO PUDE DEIXAR DE PERCEBER O QUANTO TEMOS LIDADO COM HUMANOS DE FORMA TÃO DESUMANA!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Como não gostar...?

Imagem retirada de: planetaeducacao.com.br
Timidamente começou a cantar. As palavras saiam dela e ganhavam o silêncio da sala cheia de olhos que a olhavam. Quando eu penso que a medicina não vai mais me surpreender, acontece dessas. Ela cantava um "arco-íris" que lhe tirava daquele mundo e a transportava para um lugar...
"Um dia eu quis subir numa estrela e acordar bem longe numa nuvem"...
 Quando a menina acanhada entrou, não pensava que ela iria cooperar com a consulta. Muito calada, vinha sendo trazida pelos pais. Depois, as história que eu ouvi não condiziam com aquela "criança":  uma moça que sofrera desde criança e que teve uma vida intensa, estudou, brincou, bateu, riu, chorou... O professor disse, de outras consultas, que gostava de quando ela cantava e que conversava com os alunos. Ela nos olhou, hesitou e, por fim, concordou em nos dar essa "palhinha", e esse presente para mim!
Os pais (acredite, nos tempos de hoje, pais irem juntos a uma consulta é muito raro) tinham-lhe um amor inenarrável. Eram prova de que é possível crer em um sentimento verdadeiro e crer na família como unidade.
De repente, olhou para o pai e disse, em bom tom: "Pai, te amo". E para a mãe: "Mãe, te amo". Disse ainda que não sabia porque as pessoas não queriam conversar com ela, já que todos somos irmãos, e aquilo me doeu. Temos tanto preconceito em nossos olhos que ele nos envenena as ações.
Depois ela foi-se, com toda a sua história e toda a sua voz... e eu fiquei com mais esse aprendizado: O AMOR NÃO TEM SANIDADE OU INSANIDADE. ELE APENAS É AMOR!

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Olhos de pessoa tímida e irritada

Imagem retirada de: roselymsilveira.blogspot.com
Ela entrou cheia de tralhas e visivelmente incomodada. Trazia seus filhos e o marido à tiracolo e nos olhava de lado, respondendo secamente ao que era perguntado. Aquela situação incomodou a todos os seis estudantes, mas apenas continuamos o atendimento.

- Fulano nasceu com quantos quilos? E Sicrano?
- O parto foi normal?
- Como você dá banho neles, mãezinha?

Ela respondia a um e outro com uma propriedade de sua situação impressionante. Conhecia todos os detalhes de seus filhos e aparentava um zelo extremista. Lá pelas tantas, ao ser inquerida o porquê de tomar determinada atitude em relação aos filhos ela simplesmente respondeu "Faço assim porque eu quero!".
Quando a professora entrou na sala, A PACIENTE OLHOU-A E DISSE "MAIS GENTE PRA ASSISTIR!?". A professora falou que era necessário, explicou a situação, dizendo tratar-se de um hospital universitário, etc, etc. Continuou conversando com ela ao passo que nos veio a revelação que mudou completamente o ponto de vista sobre as atitudes desta senhora. Tratava-se de uma paciente com possível diagnóstico de AIDS e que temia pela saúde dos seus filhos.
Tudo passou a fazer sentido e nós, como humanos, pecamos por julgar antes de entender. Após o atendimento, quando ficamos apenas professora e alunos, aquela nos disse da primeira impressão negativa e como ela havia se enfurecido pela postura hostil da paciente; e que agora ela reconhecia também seu erro em julgar precipitadamente. É muito mais fácil para todos incomodar-se com a "grosseria" sem no entanto procurar motivos para isso. Essa é mais uma lição que me vai ficar: ESTAMOS CONFORTÁVEIS EM NOSSO MUNDO, MAS AS PESSOAS QUE CHEGAM A NÓS TÊM SUAS VIDAS E SEUS SOFRIMENTOS.