Imagem retirada de citacoesepoesias.blogspot.com |
O fato é que, lá pelas tantas, uma das pacientes para e já estavam reanimando-a quando eu cheguei. "E um e dois e três..." contava-se as compressões que eram feitas naquele peito que subia e descia apenas por causa do respirador manual.
Eu ainda não havia reanimado ninguém lá, então a médica olhou para mim e disse que eu o fizesse.
Procurei a escadinha e comecei a minha contagem. Há quem diga que os dois minutos de massagem cardíaca são os mais longos do dia-a-dia do médico. E são! Mas cada pessoa tem seus motivos para dizer isso, e aqui digo os meus.
A senhora tinha aproximadamente cinquenta e tantos anos e seus olhos estavam com aquele brilho cego que ninguém quer vislumbrar. O olhar no nada olhava para mim, eu sabia, e aqui dentro alguma coisa pedia: volte à vida, volte à vida. Claro que aprendemos na faculdade que é necessário desprender-se de alguns sentimentos para poder seguir na profissão, tal qual uma freira que, por percorrer diversas instituições, não se deve apegar demais aos convivas. Bem, não sou freira. Nem boa futura médica, então. Foi inevitável pensar nos familiares daquela mulher e nos muitos anos que ela teria pela frente. Foi inevitável encarar aqueles olhos e fazer uma breve oração (ou seria um mantra?): volte à vida, volte à vida.
Fiz ainda outro ciclo de massagem torácica e me dei conta de que essa sensação, de que aquela pessoa tem sim uma história, me acompanharia em todas as reanimações. Foi assim na primeira vez, na segunda, na terceira. Foi assim quando eu vi o senhor também de meia idade parar na minha frente e todos naquela sala caminharem com calma. Engraçado que dia desses li em um renomado livro de emergências médicas que o médico emergencista deve ter, entre outras qualidades, calma em situações extremas. O que tenho a dizer é que tenho muito que aprender ainda! Mas que espero não desaprender esse sentimento que me faz amar a Medicina.
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